Curadoria é uma tarefa pra lá de difícil. Entrei na Galeria Tempo com isso em mente. Existem aspectos na fotografia modernista, como a geometrização da realidade, que permaneceram através do tempo: como a Tempo colocaria Fernando Lemos, German Lorca e Thomas Farkas dentro daquele contexto histórico, ainda mais considerando que são fotógrafos atuantes, contemporâneos?

O acerto não poderia ser maior.

As fotografias de Lemos, feitas entre 1949 e 1952 em Lisboa, antes dele vir para o Brasil fugindo da ditadura salazarista, foram recuperadas a partir dos negativos e tiveram cópias digitais recentes. Lorca mostra cópias vintage, ampliadas pelo próprio fotógrafo em laboratório tradicional, com papel de fibra, na época em que fez as fotos. Farkas tem ampliações recentes. Isto é relevante por conta da tecnologia de captura, ampliação e papel, que mudou muito de lá pra cá. E, assim como é relevante, poderia ser um problema sério mas felizmente as diferenças ficam em milésimo plano frente à força das imagens.

Lemos (e sua Rolleiflex) manipula contraste e foco, domina a luz, usa e abusa de duplas exposições – no próprio fotograma. Não é essa moleza de colocar camadas no software para ver se fica bom, viu?

Lorca é fotógrafo das antigas, laboratorista e se adaptou às novas tecnologias. Tem, inclusive, uma nova tiragem de 15 exemplares de algumas fotos selecionadas que foram corrigidas digitalmente para tirar pequenas marcas e alguns outros ajustes mínimos. É muito raro – e bom – encontrar profissionais que não deixaram o tempo passar por eles.

Farkas talvez seja o mais “modernista” dos três. Os anos 40 no Foto-Cine Clube Bandeirante (SP) são transparentes no seu trabalho. Ele cai pesado na abstração e geometrização da realidade, ao ponto de encostar no surrealismo. E isso faz dele um fotógrafo bastante expressivo.

Então, respondendo à pergunta inicial, a Tempo conseguiu, através da narrativa (seleção) e do ritmo (disposição), formar um conjunto que não poderia existir em outra época. Saí de lá com a certeza de ter visto o crème de la crème. E este sentimento é raríssimo. Pelo menos pra as chatas de galochas como eu.

Três expoentes da fotografia moderna
– Fernando Lemos, German Lorca e Thomas Farkas
19 de junho a 04 de agosto de 2007
Galeria Tempo
Rua Visconde de Pirajá, 414 – sala 305, Ipanema – Rio de Janeiro
(21) 2227.2221 / contato@galeriatempo.com.br
Segunda a sexta, das 12h às 19h, e sábado com hora marcada.
Entrada Franca

“(…) As propostas anteriores de fotógrafos norte-americanos e europeus como Man Ray, Brassai, Moholy-Nagy, as tendências surrealistas, as teorias da Bauhaus, são, nos anos 1940 e 1950, retomadas no Brasil e suas primeiras discussões são realizadas no seio dos fotoclubes. Thomas Farkas e German Lorca, entre tantos outros, propunham imagens abstratas. Técnicas de solarização, o recorte geométrico da cena, a repetição da forma em busca de ritmo e sonoridade, representam os experimentos fotográficos desses dois artistas. Totalmente alinhado com as questões brasileiras, Fernando Lemos, em 1949, ainda em Portugal, realizou uma série de fotografias de caráter surrealista. Sua opção pela superposição de imagens feita na própria câmera fotográfica dá movimento às poses, imobilizadas tradicionalmente pelos suportes fotográficos. O desafio surrealista é percebido nos cortes que acrescentam, eliminam, deformam a realidade retratada.” – Marcia Mello, conservadora e curadora de fotografia.