Esse negócio de pensar diferente não tem nada de novo. De vez em quando a civilização cansa e resolve inovar. Os gregos inovaram quando resolveram fazer algo diferente dos egípcios; os romanos inovaram quando construíram seus templos; os cristãos inovaram quando criaram a arte bizantina; os renascentistas inovaram quando decidiram resgatar a grandiosidade da cultura Greco-romana; os franceses inovaram quando criaram o concreto armado… Enfim, exemplos não faltam. Inovação é fruto da necessidade e do desejo humanos e, acredite, quem vier depois de nós também será “moderno”.

Nas artes plásticas existe uma coisa muito, muito antiga, chamada schemata. E desde que o mundo é mundo, ou seja, desde que o mundo tem Michelangelo, que os artistas se esforçam para ultrapassar, para vencer a schemata, para superá-la.

Schemata quer dizer esquemas. Ou seja, todos aqueles tutoriais que você certamente já viu de onde colocar a orelha na cabeça ou quantas medidas-cabeça tem um corpo ou ainda como desenhar uma galinha a partir de uma oval. Em artes plásticas, consideramos como um “esquema” todo conjunto que fornece um guia para criação e/ou identificação de significados gráficos. Em psicologia este termo é bem mais abrangente e complexo, mas eu sou ilustradora e não psicóloga.

A schemata varia de acordo com a cultura e período da história.

Os famosos ícones bizantinos, por exemplo, tinham sempre figuras alongadas e biplanares, porque representavam o divino e era considerado heresia representá-lo em um suporte menor e inferior (humano). Dentre as três principais religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e islamismo), inclusive, o cristianismo é até hoje a única a representar o divino com figuras humanas. Isto é um esquema, um conjunto de “regras” aceitas pela cultura vigente no período como o padrão correto e, portanto, rapidamente reconhecido em seu significado.

Toda arquitetura gótica tem em seu ponto mais alto “pontas” porque é uma metáfora da alma: quanto mais próximo do céu (do divino), menos matéria (corpo) tem. Os esquemas são, antes de tudo, filosóficos.

Em ilustração, o primeiro livro de esquemas de que se tem conhecimento é de 1608 e é intitulado Il vero modo et ordine per dissegnar tutte le parti et membra del corpo humano (O verdadeiro modo e ordem para desenhar todas as partes e membros do corpo humano, em tradução livre). Foi publicado em Veneza e é de autoria de Odoardo Fialetti (pintor italiano, 1573-1638), com a colaboração de Giacomo Franco (gravurista italiano, 1550-1620). Como você pode notar, publicações do tipo “como desenhar pessoas (protozoários, paquidermes, casas ou árvores…)” não são exatamente novidade.

Assim como também não é novidade o conceito de moderno ou de ruptura.

Uma ruptura acontece quando conseguimos romper com o esquema, com a schemata.

Os renascentistas assim o fizeram e neste momento criaram técnicas usadas até hoje, o chiaroscuro e o sfumato. Eles introduziram volume onde antes as figuras eram quase planas. Outra ruptura famosa foi a dos cubistas, que mostravam na mesma figura vários planos diferentes, incluindo os ocultos pela perspectiva natural.

Podemos, sem errar muito, aplicar o mesmo conceito à internet. Não seria a web colaborativa uma ruptura com a “anterior”? Ou seja, não pensa diferente? Romper com o esquema é pensar diferente.

Quando me sento para fazer um desenho da Natureza, a primeira coisa que faço é esquecer que alguma vez já tenha visto um quadro.” – John Constable (pintor inglês, 1776-1837).

Precisamos entender de tecnologia antes de nos tornarmos o próximo Steve Jobs. Precisamos entender de mecânica antes de nos tornarmos o próximo Henry Ford. Precisamos estudar arquitetura antes de nos tornamos o próximo Oscar Niemeyer. Precisamos conhecer o esquema para poder superá-lo.

Falar em inovação nas artes hoje em dia, em um tempo em que somos pós-tudo, até mesmo pós-modernos, chega a ser engraçado mas é real. Faça exercícios consigo mesmo: troque de técnica ou de tema; permita-se experimentar, brincar, divertir-se.

E lembre-se que você já tem uma natureza inovadora: a arte em 3D é absolutamente inovadora, vetores rompem com tudo que conhecíamos antes, pixel art é uma renovação do mosaico mas com uma filosofia completamente diferente e até mesmo a criação de ícones para web é algo que a história da arte não conhecia antes.

 

VIGNA-MARÚ, Carolina . Pensando fora da schemata. Revista Web Design, Rio de Janeiro, p. 98 – 99, 01 ago. 2009.