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O fato é que nada é nunca claro em nosso estado de espírito, e nossa pintura sofre desta falta de certeza. Às vezes eu acho que o significado do meu trabalho está exclusivamente ligado à produção de uma pintura; às suas contínuas referências e modificações; a pequenas descobertas, como balsas em que um náufrago se agarra, e que depois afundam nas profundezas, levando com elas linhas, cores e pseudo-significados.” – Alberto Sughi

Em um ato de coragem escolhi falar sobre Alberto Sughi na coluna desta edição que, junto com Egon Schiele e Lucien Freud, é um dos meus artistas prediletos. Digo coragem porque é muito difícil analisar alguém por quem somos apaixonados, mas eu vou tentar. Antes de começar, entretanto, preciso dizer que o filho dele, Mario, é também um grande artista e ilustrador. Desta vez vou só falar do pai.

Os italianos consideram Sughi “il maestro della realtà” mas o realismo em Sughi é filosófico. Sua obra é pictórica e realista, sem dúvida, mas não é este seu maior realismo. O mestre da realidade é um título mais do que merecido pela ausência de hipocrisia. La classe dirigente (1965) é tão satírico sobre o governo e o poder vigente quanto Goya foi em seu tempo, enquanto Notturno no.2 (1998), por exemplo, é um retrato da vida noturna urbana quase carinhoso de tão próximo emocionalmente. Seus quadros de cidade e clubes noturnos, aliás, são os meus favoritos. É quase possível respirar a fumaça e ouvir a música.

O equilíbrio entre drama e leveza é uma das marcas características de Sughi. Outra é a mescla entre o desenho e a pintura, algo que muitíssimo me agrada. Em um vídeo, ele aparece colocando carvão sobre tinta a óleo. É de uma liberdade total, de alguém aberto ao diálogo entre a obra e o artista. O diálogo entre a obra e o fruidor é velho conhecido de qualquer um que já tenha posto os pés em um museu ou galeria, mas nem sempre o artista assume – ou mesmo admite – que sua criação responda. O questionamento estético da representação não se coloca como o saber técnico-artesão e nem como o de uma intangível identidade filosófica ou cultural. Seu questionamento acontece através da história contada. Ele é livre e sabe disso, faz uso desta liberdade. Nada mais contemporâneo.

A contemporaneidade é sempre muito difícil de definir porque não temos ainda o filtro do tempo e o afastamento emocional necessários para análise, mas posso afirmar com certa segurança de que o nosso tempo é marcado por diálogos, contradições, quebras de fronteiras e o questionamento de regras e paradigmas. Por vivermos em uma época de perguntas (e não de respostas), é natural que o desenho e o rascunho, antes entendidos como intermediários descartáveis, ganhem reconhecimento e valor. Existem até mesmo aqueles – como eu – que preferem ver o sketchbook do artista do que a obra pronta. Se pensarmos na trajetória da idéia artística e, considerando que ainda não conseguimos entrar dentro da mente do artista, o mais próximo do pensamento original é o rascunho, não a obra finalizada. O inacabado e o incorreto traduzem nossos desejos desde o ato falho de Freud (o Sigmund, não o Lucien). A verdade não está lá fora, a verdade está no erro.

Alberto Sughi, em outro trecho do mesmo post com que abri esta coluna, diz: “A pintura terminada, em exposição, emoldurada e fotografada, é apenas um ato convencional. É uma norma antiga da profissão do pintor mas é incapaz de nos representar completamente. Em outras palavras, no final, a história de nossos fracassos na tela seriam guias melhores para entender a mente do pintor do que a soma dos métodos, concessões, experiência ou outros truques que usamos para levar uma pintura à fruição. E talvez não seja nem mesmo assim!

Fico me perguntando se o real não está, justamente, nesta veia aberta que admite diálogo, que passa carvão em cima de tinta a óleo e que vê na soma dos erros a essência do artista. As redes sociais nada mais são do que uma soma de nossos erros e uma veia aberta ao diálogo. Nosso conceito de real só mudou tanto quanto com a internet quando descobrimos que o mundo não era plano e que o Sol não girava em torno de nós. E tem gente que ainda insiste em chamar esta experiência de “virtual”!

Obs: os trechos citados são traduções livres.

 

VIGNA-MARÚ, Carolina. Uma época. Revista Web Design, Rio de Janeiro, p. 42 – 42, 01 jul. 2011.