Desde que conheci o trabalho de Augusto Sampaio tenho vontade de escrever a respeito, mas como ele foi meu professor na Belas Artes e sei o quanto o meio acadêmico pode ser paranóico, achei melhor esperar não ser mais sua aluna para lhe dedicar uma coluna.

A obra de Sampaio poderia facilmente ser organizada em três hashtags se o seu meio fosse o digital. A primeira, como não poderia deixar de ser, é o questionamento, o pensar. A segunda é talvez a mais óbvia delas: a obra em si, ou seja, a sua produção artística, as gravuras. A terceira é o compartilhamento. Vou da terceira para a primeira.

3. Sampaio é professor com p maiúsculo e isso já deveria ser suficiente para terminar o artigo, mas insisto. Ele é artista-educador de uma das iniciativas mais legais da Pinacoteca do Estado de São Paulo, a oficina de desenho e gravura da Ação Educativa Extramuros, do PISC (Programa de Inclusão Sociocultural), que leva moradores de rua para dentro de um espaço tido como erudito e os instrumenta a ampliar seus repertórios.

2. As xilogravuras de Sampaio – ou, pelo menos, as que conheci – não são figurativas e trazem uma repetição proposital que se traduz em ritmo. Ele as instala em espaços urbanos, especialmente em muros, paredes, fachadas. Ou seja, ele as instala em limites. E, com a composição (cor, textura, ritmo, forma, etc), chama a atenção para este limite e nos leva a perceber uma linha separadora que muitas vezes simplesmente não nos importa mais. A gravura aponta esse limite, esse contorno e, ao apontá-lo, se apropria dele e o destrói. Uma vez que o limite nos “pertence”, deixa de ser um limite.

1. Que limites nos contém? Muros não definem um ambiente. Uma escola ou qualquer outro centro de convivência é uma experiência que vai muito além de seus muros. Conheço pessoas que definem suas casas como “onde meu computador está”. E aí vem o cloud computing e nem isso existe mais. Cadê o muro? Existe algo que separe o morador de rua do curador do Museu além deste limite absolutamente arbitrário? Na verdade não faço ideia se o questionamento de Sampaio é este mas é nisto que penso quando vejo o seu trabalho. É, portanto, o meu-dele questionamento. Outro muro que cai. Derrubar muros é sua-nossa especialidade. Ele compartilha o tempo todo. Por este motivo, inclusive, o escolhi para esta coluna. O que é a internet senão a quebra de fronteiras, de limites? Fazemos algo online que não seja, justamente, questionar e romper com estas arbitrariedades? Digo, além de ver vídeos de gatos, é claro.

Agora conto que Sampaio é arquiteto pós-graduado em Multimeios: cinema, vídeo e fotografia. Não que isso faça qualquer diferença. O melhor consultor em presença online que conheço, o Roney Belhassof, já foi piloto de navio. Meu irmão, tradutor, é formado em Economia. Aprendo filosofia com um historiador. Gosto de pessoas complexas, heterogêneas e com histórias complicadas. E nós, nesse backstage da internet, o que nos enriquece? Nem só de Php e Java vive o programador. Uma das minhas maiores queixas das atuais formações acadêmicas é a falta destas referências “externas”. O designer que decide estudar algo completamente fora da sua área (capoeira, finlandês, culinária, tanto faz) será necessariamente um designer melhor. Obviamente isso vale para todos, mas é na Wide onde escrevo.

Voltando ao Sampaio. Tenho a sensação de que sua meta é quebrar limites. Nas artes visuais, isso se traduz em um novo olhar, em ampliar o repertório visual e na experimentação. Não acho, entretanto, que se limite a isso. A arte visual é apenas a sua ferramenta para estimular a humanidade a refletir, a crescer. Somos capazes de evoluir apenas quando nos abrimos para esta possibilidade. Ou seja, quando estamos dispostos a sair da zona de conforto, quando estamos disponíveis para experimentar o mundo sem muros.

Vejo nele uma coerência que me inveja. Ou me falta o amadurecimento para ter esta coerência no meu trabalho ou me falta o distanciamento para percebê-la. Dúvidas, entretanto, tenho aos montes.

 

VIGNA-MARÚ, Carolina. #quebrando #limites. Revista Wide, Rio de Janeiro, p. 42, 01 dez. 2011.