Entrevista publicada no Carreira Solo.
Carolina Vigna-Maru debate quantro pontos cruciais para o mercado editorial.
Acompanho o trabalho de Carolina Vigna-Maru há algum tempo e sempre o vi como uma mistura exponencial de disciplinas várias como música, literatura, fotografia e ilustração. É o tipo de profissional que você olha, olha, não entende direito o que faz, só sabe que faz muito bem. O convite para ser uma das colaboradoras do Carreirasolo.org em sua nova fase veio naturalmente, em rápida troca de e-mails: Topa? Claro. Deixa eu explicar como vai ser…Não precisa, eu topo. Coisa de quem trabalhar o bem, sabe?
E foi ao trabalhar para o bem, mantendo este e outros sites, que acabei por descobrir e realizar que Carolina tem mais de 20 anos de mercado editorial tendo trabalhado com tanta gente de peso, dentre eles o Domenico Demasi, e que em posts que já publicou e continuará a publicar, os integrantes desta comunidade aqui terão tanto a ganhar quando a investir em si mesmos.
A entrevista que se segue teria por função, basicamente, apresentá-la aos leitores que ainda não leram o “Como enviar meu original para análise“, sua primeira colaboração por aqui; só que acabou se transformando numa fonte de idéias bem interessantes para quem ousa, ousará ou já ousou, levar sua obra ao público naquele formato retangular que cheira tão bem (não, não é bolo de tabuleiro), que convencionamos chamar de Livro.

1. Livro X Blogs

(explicando: fala-se muito do surgimento de uma nova geração que publicará somente na web, principalmente através de blogs. É isso mesmo, ou é só falácia para atrair leitores e depois você lançar seu livro pela Companhia das Letras?)

Mauro, estamos vivendo uma transformação e como não poderia deixar de ser, temos mais perguntas do que respostas. Eu não tenho dúvidas de que a internet é o grande publisher da nova geração, assim como eram os jornais e revistas na época do Machado de Assis.
Assim como já naquele tempo a publicação nas mídias de maior circulação era um grande filtro onde só os melhores se tornavam autores de livros publicados, a internet hoje cumpre esse papel, de um grande mostruário, um grande sarau literário. E é aqui (aqui, internet) de onde estão e continuarão surgindo os melhores novos talentos.
Então, não é falácia mas tampouco é o objetivo máximo do autor. É parte do processo. Você gosta de escrever? Tenha um blog! Não temos atualmente um exercício melhor ou uma vitrine maior.
Ainda é preciso resolver uma série de questões como direito autoral, proteção ao autor, cópias ilegais e, principalmente, de onde vem o dinheiro. Quando falamos de um livro impresso tradicional, todos sabem mais ou menos como se dá o processo: o editor paga ao autor um percentual na venda do livro, simples assim.
E na internet? Quem paga o autor? Somos privilegiados em não apenas presenciarmos esta revolução mas em fazermos parte dela. Digo revolução porque desde Gutenberg o mercado editorial não muda tanto. Ando curiosa para saber quem serão os padres copistas de agora.
Não sei te responder se a internet será a única forma de publicação. Acredito que não. Surgirão outras, talvez híbridas, mas é impossível prever os caminhos que a tecnologia nos abrirá.
Agora, a internet não deve e não pode ser desprezada ou entendida apenas como um mero suporte. É um ambiente rico, vivo, orgânico e volátil. Por isso mesmo, os editores tradicionais, acostumados ao “rodou na gráfica já era”, tem muita dificuldade de compreender essa nova relação com o texto, com o autor e com o leitor.

2. Internet X Papel

(explicando: A velha questão dos formatos que se anulam ou não. Procurarei ser imparcial, mas claro, Internet não têm cheiro de papel velho. Mas por outro lado, papel derruba árvores para acontecer)

Já ouvimos isso antes, com a televisão e o rádio ou com o video e o cinema. É uma grande bobagem. O ser humano é multifacetado por natureza e nós somos capazes de absorver e lidar com diversos estímulos diferentes. Os meios se complementam. A internet ressucitou o rádio. O dvd ajuda o cinema.
É claro que quem não souber o que está fazendo vai dançar. Um meio não é uma adaptação do outro, é um meio único, independente e singular e deve ser respeitado como tal. Não envie para um jornal impresso de grande circulação um post de blog achando que será publicado como matéria e não publique no seu blog uma tese de mestrado. Acredite, ninguém vai ler. Respeite as características de cada meio que estes lhe serão gentis.

3. Autor X Editora

(explicando: Quem manda em quem, quem veio antes…até que ponto precisamos de editora para lançar nossos livros etc etc Será que cabe um parelelo com a indústria fonográfica? No lo sé…)

Ninguém manda em ninguém. Um não vive sem o outro. A questão da indústria fonográfica, me parece (não sou dessa área e a minha relação com a música termina no play), passa muito pela distribuição e pelo marketing. Livros também precisam de distribuição e de marketing mas precisam ainda mais de um critério, de uma análise maior. A música pode ser absorvida em conjunto, em público e involuntariamente.
Quantas músicas você já não ouviu em um filme, uma novela, no táxi, na rua ou em outros lugares em que a decisão do que ouvir não fosse sua? Quantos livros você já leu sem querer, por acaso, na rua, no táxi? A relação é outra, o sentido é outro, a percepção é outra, o mercado também precisa ser. O papel da editora pode ser dividido em 3 etapas de igual importância:

  • A análise do original, quando o livro ainda não entrou em produção.
  • A produção do livro
  • A comercialização do livro

Durante a etapa de análise, o editor nada mais é que um leitor muito, muito, muito treinado. Depois, na produção do livro, o editor precisa de um olhar bifurcado, com um olho focado no conteúdo e outro na forma. Um livro fantástico com o formato errado pode morrer por falta de espaço na estante, por mais ridículo que isso pareça. E, claro, o inverso é verdadeiro. A comercialização do livro não inclui apenas lidar com as livrarias (que já seria suficiente para enlouquecer um ser humano – cada um fecha em um dia e de um jeito, é coisa de doido) mas também toda a questão do marketing, da disposição, da possível relação com escolas/universidades, envio para jornalistas, etc. Dá muito trabalho fazer um livro. Comme il faut, pelo menos.
Textos precisam de várias leituras, de muitas e muitas revisões, de ajustes. Escrever é difícil. Publicar é difícil.
Há também uma outra coisa, que é uma regra não-dita e injusta, de que o livro publicado sem uma editora é o livro que não conseguiu “nada melhor” e portanto tratado como carne de segunda pelo mercado e pelos jornalistas e críticos literários. É injusto e eu não concordo com isso mas é assim.

O meu conselho é: não conseguiu um editor? Transforme o seu texto em outra coisa, um ebook, uma história em quadrinhos, entregue para aquele seu amigo roteirista, faça uma animação, um espetáculo mambembe na praça, enfim, evite com todas as suas forças essa publicação independente que só vai fazer você perder dinheiro, prestígio e tempo.
Tem uma piada velha: “como um editor se suicida?” / “pula do alto do seu estoque”. Isso o editor, com toda uma equipe e uma máquina comercial trabalhando para ele. Agora imagine o autor independente. O coitado não tem a menor chance.

4. Mercado X Qualidade

(explicando: escrever para o mercado ou escrever aquilo que você acha muito bom)

Posso te dizer que conheço 2 tipos de autores. Os que escrevem por necessidade, uma necessidade quase física, que se não escreverem adoecem. A estes, digo: escrevam o que acha bom. Conheço alguns poucos que escrevem com o mesmo distanciamento emocional com que um programador resolve um problema em PHP. Estes escrevem para o mercado.
A questão é que o editor, que vai analisar o texto, tem uma visão (na maioria das vezes) radicalmente diferente do autor do que seja o tal “mercado”. Além de entrarem na equação questões como o foco que o editor precisa naquele momento (como um edital do governo para escolas públicas versus uma feira altamente comercial no exterior, por exemplo) ou mesmo que tipo de verba a editora tem para que tipo de linha editorial.
Falando de literatura, existem editoras maravilhosas (como a 7Letras, só para citar uma) que vivem com títulos não-comerciais, que não foram escritos para o mercado.
Quando o assunto é livro técnico, a realidade é outra, aí quem manda é mercado. Muitos títulos são inclusive encomendados. Em literatura / ficção não é assim.
Seja fiel àquilo que você quer. Na vida, não só nos livros. O resto se resolve. Como diz meu pai, se não teve solução é porque ainda não acabou.


Página inicial do mesmo site, na seção de indicações, a chamada para esta entrevista: