Trabalho apresentado e publicado no Congresso Internacional Ciantec’18 como parte integrante do artigo Pesquisa de linguagem em projetos doutorais: do sistema de produção de conhecimento acadêmico à inserção no circuito artístico-cultural, de Marcos Rizolli; Carolina Vigna; Dângela Nunes Abiorana; Eduardo Höfling Milani; Egídio Shizuo Toda.
<< Artigos do CIANTEC’18 na íntegra >>
Carolina Vigna Prado e a expressão dos grafos
Anne Cauquelin aponta a importância da linguagem na arte contemporânea, pós-Duchamp: “Expor um objeto é intitulá-lo.” (CAUQUELIN, 2005, p. 101) O título é parte constituinte da obra. A questão que se coloca é como. E esse ‘como’ depende não apenas de quem intitula mas também de quem o lê. O self de todos os envolvidos integra-se nesta equação. Diante de tantos selfs, como é possível a fruição ou compreensão? Primeiro, precisamos estabelecer o sentido de código, da compreensão do humano. Segundo Flusser:
A comunicação humana é um processo artificial. Baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos. Os homens comunicam-se uns com os outros de uma maneira não “natural”: na fala não são produzidos sons naturais, como, por exemplo, no canto dos pássaros, e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas. Por isso a teoria da comunicação não é uma ciência natural, mas pertence àquelas disciplinas relacionadas com os aspectos não naturais do homem, que já foram conhecidas como “ciências do espírito” (Geisteswissenschaften). A denominação americana “humanities” expressa melhor a condição dessas disciplinas. Ela indica na verdade que o homem é um animal não natural. (FLUSSER, 2013, p. 89)
Toda produção humana é, portanto, codificada.
Quando temos duas linguagens (nesse caso, verbal e visual), a soma do significado se dá na percepção que só é possível em sua fruição mais lenta. Misturando, portanto, tanto a linha quanto a superfície, resultando em um código misto, imagético e conceitual. (FLUSSER, 2013, pp. 113-114). Ainda, segundo Flusser:
É óbvio que os dois tipos de leitura [escritas; pintura] envolvem tempo, mas será o “mesmo“ tempo? Aparentemente sim, já que podemos medir em minutos o tempo despendido nos dois tipos de leitura. Mas um simples fato nos detém. Como podemos explicar o fato de que a leitura de textos escritos usualmente demanda muito mais tempo do que a leitura de quadros? Será que a leitura de quadros é mais cansativa, a ponto de termos de interrompê-la? Ou será que as mensagens transmitidas nos quadros são normalmente mais “curtas”? Ou não será então mais sensato dizer que a mensuração em minutos não consegue demonstrar essa particularidade? Se aceitarmos isso, poderemos dizer que a leitura de imagens é mais rápida porque o tempo necessário para que suas mensagens sejam recebidas é mais denso. Ela se abre em menos tempo. Se denominarmos o tempo envolvido na leitura de linhas escritas de “tempo histórico”, devemos designar o tempo envolvido na leitura de quadros com um nome diferente. Porque “história” significa tentar chegar a algum lugar, mas ao observarmos pinturas não necessitamos ir a lugar algum. A prova disso é simples: demora muito mais tempo descrever por escrito o que alguém viu em uma pintura do que simplesmente vê-la. (FLUSSER, 2013, pp. 105-106)
Ou seja, a palavra – linguagem verbal – só se torna pensamento quando sua “presença se prolonga”. É justamente isso que proponho com os grafos: prolongar, através da soma, as duas linguagens, tornando-as pensamento.
O resultado das múltiplas linguagens na Arte, portanto, é muito maior e mais complexo que sua simples soma.
Os dados que permitem gerar os grafos são parte indissociável e fundamental para a sua visualização. Entretanto, as escolhas feitas determinam não apenas a sua aparência em termos de cromatismo, composição, forma, tipologia, relações (vetores), mas também em termos de itens, características, pontos, elementos, unidades e critérios mostrados. Com isso, há uma escolha – absolutamente consciente, individual e única – para cada elemento de dado e visual. E a poética envolvida nessa escolha inclui o processo artístico de apresentar uma nova visualidade e subjetividade.
No que diz respeito à apresentação do grafo como arte, é possível afirmar tratar-se de um novo “sistema” criativo, conforme Csikszentmihalyi,
O que chamamos de criatividade sempre envolve uma mudança em um sistema simbólico, uma mudança que, por sua vez, afetará os pensamentos e sentimentos dos membros da cultura. Uma mudança que não afeta a maneira como pensamos, sentimos ou agimos não será criativa. Assim, a criatividade pressupõe uma comunidade de pessoas que compartilham modos de pensar e agir, que aprendem uns com os outros e imitam as ações uns dos outros. É útil pensar sobre a criatividade como envolvendo uma mudança nos memes – as unidades de imitação que Dawkins (1976) sugeriram eram os blocos de construção da cultura. Memes são semelhantes aos genes na medida em que eles carregam instruções de ação. As notas de uma música nos dizem o que cantam. A receita para um bolo nos diz quais os ingredientes a serem misturados e quanto tempo para cozinhá-lo. Mas enquanto as instruções genéticas são transmitidas nos códigos químicos que herdamos em nossos cromossomos, as instruções contidas em memes são transmitidas através da aprendizagem. Em geral, aprendemos memes e os reproduzimos sem mudanças. Quando uma nova música ou uma nova receita é inventada, então temos criatividade. (tradução livre de CSIKSZENTMIHALYI, 19989, p. 316)[i]
Ou seja, como não existe nenhum processo automatizado, o que existe aqui é a utilização de ingredientes conhecidos em uma nova receita, fazendo com que o grafo seja a forma criativa que escolhi como expressão.
REFERÊNCIAS
CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Handbook of Creativity. New Haven: Robert J. Semberg; Yale, 1998.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: Vilém Flusser. Org. Rafael Cardoso. Trad. Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
[i] What we call creativity always involves a change in a symbolic system, a change that in turn will affect the thoughts and feelings of the members of the culture. A change that does not affect the way we think, feel, or act will not be creative. Thus, creativity presupposes a comunity of people who share ways of thinking and acting, who learn from each other and imitate each other’s actions. It is useful to think about creativity as involving a change in memes – the units of imitaion that Dawkins (1976) suggested were the building blocks of culture. Memes are similar to genes in that they carry instructions for action. The notes of a song tell us what to sing; the recipe for a cake tells us what ingredients to mix and how long to bake it. But whereas genetic instructions are transmitted in the chemical codes that we inherit on our chromosomes, the instructions contained in memes are transmitted through learning. By and large we learn memes and reproduce them without change; when a new song or a new recipe is invented, then we have creativity. (CSIKSZENTMIHALYI, 19989, p. 316)