Trabalho apresentado e publicado no Congresso Internacional Ciantec’18

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Grafos: uma proposta plástica

Carolina Vigna Prado[i]

Essa pesquisa foi parte integrante da minha dissertação de mestrado e iniciou-se como teórica, a respeito do artista visual Nazareno Rodrigues. A ideia de uma literalidade na linguagem visual e da leitura imagética na literatura é uma constante em minhas pesquisas. E, por causa disso, no decorrer desse processo, a aproximação com Italo Calvino, através da mistura de linguagens, foi natural.

Os livros São as coisas que você não vê que nos separam (2004), Num lugar não longe de você (2013) e, Uma vez de olhos abertos, abra-os novamente (2015) são o recorte escolhido dentro da vasta obra de Nazareno Rodrigues. Essa pesquisa inicia-se como uma análise quantitativa desses, seguida de entrevista com o artista. Em seguida, foram elaborados mapas visuais utilizando a teoria dos grafos relacionais, da matemática.

No campo material, percebo em Nazareno e busco em minha produção uma consistência tanto na fisicalidade quanto na poética, como eixo criativo. De forma a fechar um ciclo ‘Calvino’, é a consistência que gera a leveza, a rapidez, a exatidão, a visibilidade e a multiplicidade e, ao mesmo tempo, são esses cinco aspectos que sustentam a consistência.

Ao notar a minha identificação poética com a sua organização estrutural, optei por adotá-la em minha pesquisa em um diálogo direto com Calvino, dividindo-a em Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade, Multiplicidade e Consistência. Sendo esta última – Consistência – uma proposta completamente autônoma, posto que infelizmente Italo Calvino faleceu antes de escrevê-la e dela só conhecemos sua intenção, sob a forma de título.

Calvino fala sobre literatura. Entretanto, acredito que todas as análises em Seis propostas para o próximo milênio podem ser extrapoladas e ampliadas para todas as linguagens.

Nazareno, Calvino e eu temos, portanto, uma ligação através da mistura de linguagens. A visualidade na literatura de Calvino é a expressão verbal da obra visual que tanto Nazareno quanto eu produzimos.

O foco de interesse da pesquisa é a interpretação poética dos dados, transformando os grafos em arte.

Os dados que permitem gerar os grafos são parte indissociável e fundamental para a sua visualização. Entretanto, as escolhas feitas determinam não apenas a sua aparência em termos de cromatismo, composição, forma, tipologia, relações (vetores), mas também em termos de itens, características, pontos, elementos, unidades e critérios mostrados. Com isso, há uma escolha – absolutamente consciente, individual e única – para cada elemento de dado e visual. E a poética envolvida nessa escolha inclui o processo artístico-curatorial de apresentar uma nova visualidade e subjetividade. Como diz Cauquelin,

O termo [arte contemporânea] designa justamente o heterogêneo, ou a desordem de uma situação na qual se conjugam a preocupação de se manter ligado à tradição histórica da arte, retomando formas artísticas experimentadas, e a de estar presente na transmissão pelas redes, desprezando um conteúdo formal determinado. É, pois, uma fórmula mista, que concede aos produtores de obras a vantajosa posição de portadores de uma nova mensagem e desloca ou inquieta os críticos e historiadores de arte, que não sabem captá-la nem a quem aplicá-la. (CAUQUELIN, 2005, p. 129, grifo nosso)

Ou, ainda, no que diz respeito à apresentação do grafo como arte, é possível afirmar tratar-se de um novo “sistema” criativo, conforme Csikszentmihalyi,

O que chamamos de criatividade sempre envolve uma mudança em um sistema simbólico, uma mudança que, por sua vez, afetará os pensamentos e sentimentos dos membros da cultura. Uma mudança que não afeta a maneira como pensamos, sentimos ou agimos não será criativa. Assim, a criatividade pressupõe uma comunidade de pessoas que compartilham modos de pensar e agir, que aprendem uns com os outros e imitam as ações uns dos outros. É útil pensar sobre a criatividade como envolvendo uma mudança nos memes – as unidades de imitação que Dawkins (1976) sugeriram eram os blocos de construção da cultura. Memes são semelhantes aos genes na medida em que eles carregam instruções de ação. As notas de uma música nos dizem o que cantam. A receita para um bolo nos diz quais os ingredientes a serem misturados e quanto tempo para cozinhá-lo. Mas enquanto as instruções genéticas são transmitidas nos códigos químicos que herdamos em nossos cromossomos, as instruções contidas em memes são transmitidas através da aprendizagem. Em geral, aprendemos memes e os reproduzimos sem mudanças. Quando uma nova música ou uma nova receita é inventada, então temos criatividade. (tradução livre de CSIKSZENTMIHALYI, 19989, p. 316)[ii]

Ou seja, não existe nenhum processo automatizado, o que existe aqui é a utilização de ingredientes conhecidos em uma nova receita, fazendo com que o grafo seja a forma criativa escolhida pela artista/autora de expressar-se.

A primeira análise dos livros de Nazareno foi quantitativa. Foram catalogados todos os elementos de cada página dos 3 livros, considerando descrição, cor ou aspecto dominante, classe semiótica, título quando disponível, linguagem artística e com qual ou quais das seis propostas de Calvino aquela obra se relaciona. Essa catalogação gerou 1740 itens de informação primária[iii].

A análise dos dados deixa claro que há um equilíbrio na obra de Nazareno, tanto em relação às linguagens artísticas preferenciais quanto às classes semióticas. As relações com Calvino são bem diversas, mas também é possível perceber uma inclinação maior na direção de Visibilidade, Multiplicidade e Consistência.

Para análise semiótica, a pesquisa partiu do referencial peirceano mas, como Charles Peirce (1839-1914) faleceu antes da sedimentação da utilização artística da fotografia, foram adotados preferencialmente os referenciais de Vilém Flusser (1920-1991).

Considerando a análise dos mapas visuais e da tabulação dos dados pesquisados, esta pesquisa tratará doravante, portanto, como fato conhecido que o artista Nazareno considera em igual importância as linguagens citadas.

Calvino procura um símbolo para o milênio:

Se quisesse escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio, escolheria este: o salto ágil e imprevisto do poeta-filósofo que sobreleva o peso do mundo, demonstrando que sua gravidade detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, espezinhadora e estrondosa, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados (CALVINO, 1990, p. 24)

Não podemos esquecer, entretanto, que qualquer que seja o signo adotado, a interpretação de seu objeto (considerando a tríade peirceana objeto-signo-interpretante[iv]) é, necessariamente, dependente do repertório do fruidor.

Anne Cauquelin aponta a importância da linguagem na arte contemporânea, pós-Duchamp: “Expor um objeto é intitulá-lo.” (CAUQUELIN, 2005, p. 101) O título é parte da designação da obra e, por ser leve, no sentido de ser um signo impalpável, a autora o considera uma cor. Ou seja, é parte constituinte da obra. Se o título, que se posiciona no espaço expositivo como um apêndice à obra, é seu constituinte indissociável, é inegável que o texto integrado diretamente à obra também o é. A questão que se coloca é como. E esse ‘como’ depende não apenas de quem intitula mas também de quem o lê. O self de todos os envolvidos integra-se nesta equação:

Mas a resposta que mais me agradaria dar é outra: quem nos dera fosse possível uma obra concebida fora do self, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva limitada do eu individual, não só para entrar em outros eus semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que pousa no beiral, a árvore na primavera e no outono, a pedra, o cimento, o plástico… (CALVINO, 1990, p. 138)

Diante de tantos selfs, como é possível a fruição ou compreensão? Primeiro, precisamos estabelecer o sentido de código, da compreensão do humano. Segundo Flusser:

A comunicação humana é um processo artificial. Baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos. Os homens comunicam-se uns com os outros de uma maneira não “natural”: na fala não são produzidos sons naturais, como, por exemplo, no canto dos pássaros, e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas. Por isso a teoria da comunicação não é uma ciência natural, mas pertence àquelas disciplinas relacionadas com os aspectos não naturais do homem, que já foram conhecidas como “ciências do espírito” (Geisteswissenschaften). A denominação americana “humanities” expressa melhor a condição dessas disciplinas. Ela indica na verdade que o homem é um animal não natural. (FLUSSER, 2013, p. 89)

Toda produção humana é, portanto, codificada. Entretanto, existem alguns denominadores comuns que permeiam a nossa constituição, salvo, naturalmente, alguma deficiência. Cito como exemplo uma música instrumental que independe de idioma para ser compreendida como som. Naturalmente, existirão diferenças culturais em sua fruição, mas a percepção da linguagem como sonora é indiscutível.

O mesmo não acontece com a linguagem verbal. Dependemos do domínio do letramento e do idioma para compreendermos seu significado. Por ser um signo simbólico, não indicial ou icônico e, portanto, arbitrário, a palavra não possui contiguidade com seu significado. Não é incomum, por exemplo, percebermos um alfabeto estranho a nós como um desenho gráfico e não como escrita. Nazareno não fornece esta contiguidade. Nazareno opera principalmente na terceiridade e, em relação ao interpretante, no símbolo.

O título é parte da designação da obra e, por ser leve, no sentido de ser um signo impalpável, assume um valor de cor (CAUQUELIN, 2005, passim). Ou seja, é parte constituinte da obra e, ao ser incluído na obra per se, mesmo sendo dependente de idioma, torna-se um elemento pertencente à linguagem visual. “Expor um objeto é intitulá-lo. […] a arte não é mais retiniana, é não-óptica, então deve utilizar outro suporte.” (Idem, pp. 101-102)

Nazareno sabe disso. Suas obras utilizam a imagem e a escrita de maneira complementar. Tanto pelas referências biográficas quanto as de história da arte, alguns objetos podem não ser de reconhecimento óbvio para alguns, mas seu signo será. Nazareno aproxima-se afetivamente de seu fruidor através dos signos de fácil acesso e distancia-se com leveza ao não explicar o que pode parecer óbvio para outros.

O vazio na obra de arte, especialmente em Nazareno, é repleto de significados. Considerando a ausência personificada do humano na série de desenhos a nanquim intitulada Valentes, de 2009, há uma relação entre o vazio e o silêncio que se dá através da narrativa, da linguagem. Em seu press release, reproduzido em diversos periódicos generalistas, a descrição desta série é: “diversos desenhos de antigos uniformes militares se mostram vigilantes, como a emitir um aviso a ser lido em silêncio”.

O silêncio, em Nazareno, é segurança e risco, aproximação e afastamento.

Figura 1. Valentes (2009), de Nazareno Rodrigues

Se pensarmos pelo conceito de algo ser o significante de outro, é possível pensar em Nazareno como dadaísta. Seus uniformes mostram mais a ausência do que a presença. O vazio é o significado, que vai além da materialidade e do visível. Está neste lugar, o da não-imagem, a desestabilização do fruidor, a sua experiência estética (não no sentido kantiano, mas no de Baumgarten, como oposto à anestesia).

Nazareno escreve frases junto aos desenhos que, assim como a imagem, nos levam ao afastamento e à aproximação (exemplo: “tal qual os fanáticos que pensam ter Deus do seu lado”). A escrita possui um tempo de leitura diferente da imagem, mais lento. Seu posicionamento lado a lado com a imagem, neste contexto, transforma o tempo de fruição da imagem. Calvino traça a relação entre estes processos:

Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva para chegar à expressão verbal. O primeiro processo é o que ocorre normalmente na leitura: lemos por exemplo uma cena de romance ou a reportagem de um acontecimento num jornal, e conforme a maior ou menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do indistinto. (CALVINO, 1990, p. 99)

A confluência de ambos processos causa, alego, um terceiro processo imaginativo. Na obra de Nazareno, este terceiro processo imaginativo, acredito, não tem uma eficácia maior, quase didática, como seria natural supormos, mas menor, face à dúvida e ao questionamento gerado pelas relações possíveis entre estes elementos. Isso se dá posto que a literatura possui uma parte visual própria, como diz Calvino:

Digamos que diversos elementos concorrem para formar a parte visual da imaginação literária: a observação direta do mundo real, a transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus vários níveis, e um processo de abstração, condensação e interiorização da experiência sensível, de importância decisiva tanto na visualização quanto na verbalização do pensamento. (CALVINO, 1990, p. 110)

E que, portanto, por pertencer exclusivamente ao fruidor, entra necessariamente em conflito com a imagem apresentada.

Nazareno trabalha principalmente com memória e infância, incluindo contos de fadas e sua biografia. A série Valentes retira da “cena” a personagem rígida, severa, que se supõe pela associação comum aos uniformes militares. Fica, portanto, a beleza das vestimentas cheias de detalhes. Nazareno fica com a delicadeza e descarta a rigidez mas, ao apontar para o vazio, nos aproximamos-afastamos justamente da aspereza que não se vê.

A narrativa de Nazareno não pode ser pensada apenas como linguagem verbal, nem tampouco apenas como linguagem visual. Seu “discurso” é construído com ambas estruturas sintáticas. A verbal inclui em si a visual, por tornar-se cor e a visual, por sua vez, inclui a verbal em seu propósito.

É importante ressaltar aqui que a obra de Nazareno não é uma ilustração do texto nela contido. A ilustração ilustra algo, ou seja, surge após esse algo e só existe em função dele. Portanto, a obra literária pode prescindir da ilustração. A obra de Nazareno não existe sem ambos, não sendo, portanto, um ilustração do outro ou outro explicação do um.

Há, em Nazareno, uma proximidade com o romance realista de que fala Calvino, no que diz respeito à tangência entre objeto e significado, ou melhor, entre objeto e seus múltiplos significados.

No romance realista, o elmo de Mambrino se transforma numa bacia de barbeiro, mas sem perder importância nem significado; assim como são importantíssimos todos os objetos que Robinson Crusoé salva do naufrágio ou aqueles que fabrica com suas próprias mãos. A partir do momento em que um objeto comparece numa descrição, podemos dizer que ele se carrega de uma força especial, torna-se como o pólo de um campo magnético, o nó de uma rede de correlações invisíveis. O simbolismo de um objeto pode ser mais ou menos explícito, mas existe sempre. Podemos dizer que numa narrativa um objeto é sempre um objeto mágico. (CALVINO, 1990, p. 47)

Objeto aqui, em Calvino, não é o objeto semiótico de Peirce. O objeto de que fala Calvino é a coisa em si, tanto na acepção kantiana[v], quanto na coloquial.

Quando temos duas linguagens (nesse caso, verbal e visual), a soma do significado se dá na percepção que só é possível em sua fruição mais lenta. Por isso Nazareno a insere na obra, não apenas no título. Misturando, portanto, tanto a linha quanto a superfície, resultando em um código misto, imagético e conceitual. (FLUSSER, 2013, pp. 113-114). Ainda, segundo Flusser:

É óbvio que os dois tipos de leitura [escritas; pintura] envolvem tempo, mas será o “mesmo“ tempo? Aparentemente sim, já que podemos medir em minutos o tempo despendido nos dois tipos de leitura. Mas um simples fato nos detém. Como podemos explicar o fato de que a leitura de textos escritos usualmente demanda muito mais tempo do que a leitura de quadros? Será que a leitura de quadros é mais cansativa, a ponto de termos de interrompê-la? Ou será que as mensagens transmitidas nos quadros são normalmente mais “curtas”? Ou não será então mais sensato dizer que a mensuração em minutos não consegue demonstrar essa particularidade? Se aceitarmos isso, poderemos dizer que a leitura de imagens é mais rápida porque o tempo necessário para que suas mensagens sejam recebidas é mais denso. Ela se abre em menos tempo. Se denominarmos o tempo envolvido na leitura de linhas escritas de “tempo histórico”, devemos designar o tempo envolvido na leitura de quadros com um nome diferente. Porque “história” significa tentar chegar a algum lugar, mas ao observarmos pinturas não necessitamos ir a lugar algum. A prova disso é simples: demora muito mais tempo descrever por escrito o que alguém viu em uma pintura do que simplesmente vê-la. (FLUSSER, 2013, pp. 105-106)

Ou, segundo Merleau-Ponty:

Agora a palavra não é distinta da atitude que ela induz, e é apenas quando sua presença se prolonga que ela aparece como imagem exterior e sua significação como pensamento. As palavras têm uma fisionomia porque nós temos em relação a elas, assim como em relação a cada pessoa, uma certa conduta que aparece de um só golpe a partir do momento em que elas são dadas. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 316)

Ou seja, a palavra – linguagem verbal – só se torna pensamento quando sua “presença se prolonga”. É justamente isso que faz Nazareno: prolonga, através da soma, as duas linguagens, tornando-as pensamento.

Pouco se sabe do capítulo Consistência de Calvino, pois infelizmente o autor faleceu antes de escrevê-lo. A principal informação que temos a respeito, a partir de anotações recuperadas por sua viúva, é que traria alguma referência a Bartleby, de Herman Melville.

Não se trata aqui, de forma alguma, uma tentativa de adivinhação, mas é inegável a força do personagem que intitula a obra de Melville e sua consistente resposta a todas as tarefas que lhe eram requisitadas: “I would prefer not to”. A escolha de Calvino é curiosa, ou melhor: seria, caso fosse concluída. Bartleby é inegavelmente consistente, no entanto é também, justamente por sua consistência, falho.

Bartleby é tão consistente em sua “resistência passiva” que acaba por, literalmente, morrer de fome. A morte por inanição é provavelmente o mais próximo matérico que temos de desaparecer por causas naturais. Bartleby falha como profissional, falha como interlocutor, falha como personalidade, falha em sua própria existência.

Entendemos consistência – pelo menos em uma acepção coloquial – como um valor desejável. Bartleby nos mostra que isso não é necessariamente verdadeiro.

Nem sempre o que entendemos / vemos / sabemos é o que está lá. Nazareno, em sua série Valentes, nos mostra o que não está lá, a narrativa está na ausência.

Como uma busca do olhar pela falta, pelo não-dito, pelo intervalo entre o que existe e o que é imaginado.

Então, em busca do ausente, do vazio, do silêncio, encontrei o meu Eros, o que me move, aquilo que me é humano.

É importante lembrar, entretanto, que a obra – seja ela qual for – não satisfaz o olhar, a busca pelo que não está lá.

A obra de arte não detém o olhar: é o processo fascinador, para-hipnótico, do olhar estético que cristaliza em torno dela os diferentes componentes da subjetividade e os redistribui para novos pontos de fuga. (BOURRIAUD, 2009, p. 140)

Esse olhar jamais é satisfeito e, por isso mesmo, a arte existe. Assim como a relação humana existe no interstício, o olhar viaja por entre os muitos entres do mundo.

Flusser, no excelente O mundo codificado (2013), discorre sobre a velocidade de leitura da obra literária (texto) e da obra visual (imagem). Ele não aborda a questão das múltiplas linguagens, mas foi, indubitavelmente, o estopim do raciocínio aqui desenvolvido.

A visualização gráfica auxilia a enxergar padrões e extrair sentido de uma grande quantidade de informação, permitindo que o pesquisador dedique-se ao pensamento, à reflexão, ao contexto em que essas informações se inserem e à conexão entre elas, sem perder tempo e energia submerso em longas tabulações de dados. Quando a informação está organizada em grafos, forma-se um cenário claro ao ponto de serem, em determinados casos, também chamados de mapas de informação ou mapas visuais.

Pensar em informação relacional e informação relacionando-se com tecnologia é, obviamente, pensar em grafos. A teoria dos grafos estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto, sendo muito utilizada na matemática aplicada e na ciência da computação. Aqui, entretanto, o grafo assume o lugar da criação artística, posto que há uma escolha – e, portanto, uma poética – de cada elemento visual que o compõe.

Figura 2. Grafo

O pensamento de que o resultado da mistura de linguagens diferentes é maior do que a simples soma dessas teve a sua comprovação possível, justamente, através de uma pesquisa que envolveu um artista visual, um romancista e teórico literário. Seria no mínimo incoerente pensar em múltiplas linguagens sem envolver múltiplas linguagens e múltiplos narradores. Por causa da necessidade dos sujeitos diferentes, a reflexão a respeito do meu trabalho foi imprescindível para a compreensão do trabalho do Nazareno e das propostas do Calvino. Similarmente, a análise das propostas do Calvino foi fundamental para compreender a questão da literalidade em Nazareno e, por sua vez, o estudo das obras de Nazareno permitiu o entendimento da visualidade na literatura de Calvino.

A aproximação e relação com Nazareno e Calvino provocou em minha produção artística uma ruptura. É possível perceber o que foi feito antes e o que foi feito após essa pesquisa. Antes dessa pesquisa, minha preocupação principal era a de como a obra chegaria no fruidor. Após, passou a ser o que sempre deveria ter sido, a de me colocar na obra. Nesse sentido, a relação com Nazareno e Calvino me transportou ao eixo de mim mesma. E esse eixo se realiza no grafo.

 

 

REFERÊNCIAS

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins, 2005. (Coleção Todas as artes).

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Handbook of Creativity. New Haven: Robert J. Semberg; Yale, 1998.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: Vilém Flusser. Org. Rafael Cardoso. Trad. Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Tópicos).

[i] Mestre e doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação em Artes Visuais (Belas Artes); licenciatura em Artes Visuais (Mozarteum); especialização em História da arte: teoria e crítica pela Belas Artes. Docente no Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana Mackenzie. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2063613822479669

[ii] What we call creativity always involves a change in a symbolic system, a change that in turn will affect the thoughts and feelings of the members of the culture. A change that does not affect the way we think, feel, or act will not be creative. Thus, creativity presupposes a comunity of people who share ways of thinking and acting, who learn from each other and imitate each other’s actions. It is useful to think about creativity as involving a change in memes – the units of imitaion that Dawkins (1976) suggested were the building blocks of culture. Memes are similar to genes in that they carry instructions for action. The notes of a song tell us what to sing; the recipe for a cake tells us what ingredients to mix and how long to bake it. But whereas genetic instructions are transmitted in the chemical codes that we inherit on our chromosomes, the instructions contained in memes are transmitted through learning. By and large we learn memes and reproduce them without change; when a new song or a new recipe is invented, then we have creativity. (CSIKSZENTMIHALYI, 19989, p. 316)

[iii] Informação primária é aquela que ainda não foi relacionada com outras ou interpretada.

[iv] “Um signo (ou representamen) para Peirce é aquilo que, sob certo aspecto, representa alguma coisa para alguém. Dirigindo-se a essa pessoa, esse primeiro signo criará na mente (ou semiose) dessa pessoa um signo equivalente a si mesmo ou, eventualmente, um signo mais desenvolvido. Este segundo signo criado na mente do receptor recebe a designação de interpretante (que não é o intérprete!), e a coisa representada recebe o nome de objeto. Signo, Interpretante e Objeto constituem o que é chamado de representação triádica do signo.” (SAMPAIO, 2012)

[v] Grosso modo, a “coisa em si” em Kant trata daquilo que existe de forma independente de sua representação ou da percepção de si.

[1] Mestre e doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação em Artes Visuais (Belas Artes); licenciatura em Artes Visuais (Mozarteum); especialização em História da arte: teoria e crítica pela Belas Artes. Docente no Centro de Comunicação e Letras – Universidade Presbiteriana Mackenzie. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2063613822479669

[1] What we call creativity always involves a change in a symbolic system, a change that in turn will affect the thoughts and feelings of the members of the culture. A change that does not affect the way we think, feel, or act will not be creative. Thus, creativity presupposes a comunity of people who share ways of thinking and acting, who learn from each other and imitate each other’s actions. It is useful to think about creativity as involving a change in memes – the units of imitaion that Dawkins (1976) suggested were the building blocks of culture. Memes are similar to genes in that they carry instructions for action. The notes of a song tell us what to sing; the recipe for a cake tells us what ingredients to mix and how long to bake it. But whereas genetic instructions are transmitted in the chemical codes that we inherit on our chromosomes, the instructions contained in memes are transmitted through learning. By and large we learn memes and reproduce them without change; when a new song or a new recipe is invented, then we have creativity. (CSIKSZENTMIHALYI, 19989, p. 316)

[1] Informação primária é aquela que ainda não foi relacionada com outras ou interpretada.

[1] “Um signo (ou representamen) para Peirce é aquilo que, sob certo aspecto, representa alguma coisa para alguém. Dirigindo-se a essa pessoa, esse primeiro signo criará na mente (ou semiose) dessa pessoa um signo equivalente a si mesmo ou, eventualmente, um signo mais desenvolvido. Este segundo signo criado na mente do receptor recebe a designação de interpretante (que não é o intérprete!), e a coisa representada recebe o nome de objeto. Signo, Interpretante e Objeto constituem o que é chamado de representação triádica do signo.” (SAMPAIO, 2012)

[1] Grosso modo, a “coisa em si” em Kant trata daquilo que existe de forma independente de sua representação ou da percepção de si.