Na década de 30 (e por reflexo, na de 40 também), o mundo estava de cabeça para baixo. Sangue para todo lado, Hitler, Segunda Guerra, crise de 1929, enfim, aquele bom e velho caos que todos conhecemos. Não por acaso as pin-ups surgem no país com maiores problemas financeiros naquele momento, os Estados Unidos. As pin-ups tentavam resgatar algum tipo de identidade a um povo massacrado, através da sexualidade e do humor. Naquele contexto já era uma objetificação, já era ruim. Hoje é apenas ridículo.
Existe uma corrente errr.. cof, cof filosófica de endeusamento da mulher que nada mais é que uma objetificação. Explico. Ao retirar aquele determinado grupo de indivíduos (mulher, gay, negro, astigmático, não importa) do ambiente humano, ou seja, ao desumanizar alguém, você o objetifica, mesmo quando sob o pretexto da divinização. Acontece que este tipo de ação, em pleno 2009, não apenas perdeu o sentido como perdeu também qualquer possibilidade de justificativa ou embasamento. Não é mais aceito fora do universo pornô assim tão facilmente.
Diz um amigo meu que as pin-ups não vão além do alcance da mão, referindo-se, justamente, às tentativas de parecer fazer mais do que esta mera objetificação de que falei anteriormente.
O cenário fotográfico geral da SP-Arte é que as pin-ups voltaram. E voltaram em preto e branco, em uma tentativa de posicionar o estilo em um tempo cronológico em que isso era possível, usando a técnica como uma bengala, como uma pseudo-justificativa artística. Além de ridículo fica datado.
Alguns se salvam.
Só na galeria Babel gostei de três.
Thomas Hoepker com uma print de 1936. Hoepker foi historiador da arte e arqueólogo mas acabou sendo mais conhecido como repórter fotográfico. Hoepker sempre tem um olhar poético, tanto na composição quanto no assunto sem aquele distanciamento estereotipado que se espera de um arqueólogo alemão. É um fotógrafo sem clichês.
Iatã Cannabrava, com uma color de 2008 intitulada Capão. A figura dialoga dentro de si, com o quadro dentro do quadro e com o fruidor que entra no cenário e na biografia da imagem. Elvira imediatamente apontou a estrutura de Velásquez, onde uma parte da estória anterior permanece dentro da contada, como um roteiro que cria passados não-vistos das personagens.
E, ainda na Babel, gUi Mohallem, com o seu Ensaio para loucura, pinholes de 1979. Ele se/nos aproxima em camadas, em etapas, devagarzinho para ficar mais gostoso. A primeira é a própria técnica, que retira a lente entre o fotógrafo e o fotografado. Outra aproximação é a da interação, onde o visitante é convidado a usar carimbos. A idéia do carimbo é gostosa, funciona como uma lembrança. E mais uma, as pessoas fotografadas estão em movimento, são reais, fazem parte do seu-nosso cotidiano. Poderia ser você, daí a loucura, uma loucura não ensaiada mas de todos nós, você, eu, fotógrafo e fotografados. E aí tem os carimbos em si, que trazem textos íntimos dos fotografados. São seis, selecionei um: Eu sou tão normal, tudo que eu faço é normal, eu penso tanto antes de fazer as coisas… mesmo quando eu me drogo ou trepo com um desconhecido é muito normal, sabe, dentro dos limites da normalidade.
A galeria Eduardo H Fernandes mostra o Tríptico umbilical do colombiano Fernando Arias. É um mesmo homem, nu, em posição fetal, visto em três planos diferentes e sim, são três fotos. Fazem parte de uma exposição intitulada Humanos Derechos, uma antiga bandeira do artista.
Na Silvia Cintra encontrei um tríptico de Miguel Rio Branco, de quem eu sempre gosto. Ele retrata a tragédia urbana e cotidiana sem recorrer a excessos de texturas ou outros modismos.
A galeria Mário Sequeira trouxe duas fotos de Helena Almeida que brincam com o tempo e com a seqüência narrativa. Estão em um corredor e portanto você pode vê-las sem uma intenção de ordem, de sentido. As fotos são da mesma cena em dois momentos e em um destes o retratado olha para você. É sempre bom encontrar novas linguagens em velhas técnicas.
A Bei mostra Vaqueiros, de Andreas Heiniger. Vaqueiros merece um duplo elogio. Obviamente pela qualidade fotográfica e narrativa mas também pela montagem. A Bei colocou as fotos, portraits dos nossos peões, em colunas enviesadas em relação ao visitante, fazendo com que o olhar fosse imediatamente impactado pela força das pessoas retratadas mas ao mesmo tempo permitindo uma aproximação gentil.
Na H.A.P. encontrei outra sempre ótima, a Claudia Jaguaribe. Ela é artista plástica e historiadora da arte mas poderia perfeitamente ser designer também. As suas duas fotos fazem uma brincadeira cromática, em que ela pega o tom dominante/emocional da fotografia e o (re)aplica sobre a foto em uma faixa, uma foto se contrapondo à outra inclusive em termos de diagramação e com esta delicada interferência ela mostra (e educa) um olhar.
E na Vermelho, vi Odires Mlaszho, com seus seis portraits mixados entre estátuas/figuras notórias e fragmentos de pessoas, em um encaixe perfeito entre as duas imagens. Ao humanizar a estátua, mostrando o carne-e-osso, ele desumaniza a noção de realidade. Odires, aliás, não é nome próprio, é um acrônimo de Objetos Derivados Intrínsecos Restos Emulsionados ou Saqueados.
A SP-Arte sempre vale uma visita. Só fique longe do café, que além de custar inacreditáveis R$4,50 é ruim e veio frio. E ainda vem acompanhado do olhar de desprezo do atendente que está naquele fantástico lugar superior e é o guardião da única fonte de cafeína da feira. Na próxima eu levo uma garrafa térmica. Juro que levo.