Praticamente todos os designers e ilustradores têm acesso a um scanner. Curiosamente são raros aqueles que, ao precisar de uma textura, não a procuram primeiro na internet. Sim, é mais prático, já está na nossa frente, digitalizada e tratada, mas também é a que todos já viram e usaram. Exemplos do uso excessivo de referências e recursos não faltam. Ninguém agüenta mais a marquinha da xícara de café pronta daquele brush do Photoshop que, acredite, você não é o único que tem. Eu sei que pode ser uma surpresa, mas o seu cliente também conhece o (ótimo) WooThemes. E gente, sério, os efeitos neon abstratos encontraram o seu limite de uso, não?
Além do problema óbvio do seu trabalho ficar com cara de qualquer coisa, existe o risco da repetição do erro. A melhor história que conheço disso é a do rinoceronte de Albrecht Dürer (1471-1528). O artista era um polítropo, ou seja, era arquiteto, botânico, gravurista, anatomista, escreveu tratados de pintura, anatomia e perspectiva etc. Era considerado “o Leonardo da Alemanha”. E, no entanto, até hoje renomados historiadores atribuem a ele um erro crasso. Em 1515, Dürer publicou uma xilogravura de um rinoceronte com várias divisões como se fosse uma armadura e chifre único e curto. A ilustração de Dürer foi copiada durante séculos, literalmente.
Em 1790, mais de 200 anos depois, em Travels to Discover the Source of the Nile, foi publicada uma ilustração, teoricamente feita ao vivo, de um rinoceronte africano. O livro era sobre o Nilo, perceba. O problema é que a espécie africana não tem divisões na pele e tem um longo chifre duplo. Um problema maior ainda é que o autor do livro, James Bruce, cita a gravura de Dürer como sendo errada e ainda diz que é “admiravelmente infiel, em todos os pormenores, e está na origem de todas as formas monstruosas sob as quais o dito animal tem sido pintado desde então…” [GOMBRICH]
A polêmica não termina aí. Um dos meus autores prediletos e, sem dúvida alguma, um dos mais importantes da história da arte, Sir Ernst Gombrich, em seu ótimo livro Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica, afirma que a xilogravura de Dürer, reproduzida durante quase 500 anos, é fruto da imaginação fértil do artista alemão. Sem querer transformar esta coluna em um tratado de zoologia, existem cinco espécies de rinoceronte. Duas destas, a de Java e a indiana, possuem características muito semelhantes às retratadas por Dürer.
Apesar de a primeira gravura, a do Dürer, ser absolutamente plausível, a segunda gravura, mencionada por Sir Gombrich, é uma quimera. Ou seja, une o chifre duplo africano com a pele dividida indiana e muito provavelmente características emprestadas de mais outros tantos animais exóticos. Portanto, a ilustração do livro sobre o Nilo que é “admiravelmente infiel”. Se o livro fosse publicado hoje, a ilustração certamente iria para o Photoshop Disasters. Não por acaso, Sir Gombrich tem o cuidado de garantir ao leitor que apurou que nenhuma espécie conhecida dos zoólogos corresponde à gravura.
Existem, naturalmente, algumas outras atrocidades cometidas à morfologia dos rinocerontes e outros animais, como a ilustração do ornitólogo William Jardine para o The Naturalist’s Library, de 1836, do que seria um rinoceronte africano, com um misterioso chifre duplo em arco. Todas em publicações científicas, o que faz com que estes #FAILs sejam ainda mais graves.
Reza a lenda que Dürer nunca viu um rinoceronte pessoalmente, mas se pensarmos em termos de história, faz bastante sentido que o artista tenha tido informações a respeito do rinoceronte indiano e não do africano. Portugueses já estavam em Bombaim, em 1509, e, apesar de a África já ser velha conhecida de todos, sem dúvida alguma era a Índia que estava na moda em 1515, data de publicação do rinoceronte de Dürer.
É provável que o artista tenha se baseado em informações relatadas de algum espécime levado a Lisboa, como era costume das expedições da época. Existem, realmente, alguns erros morfológicos na xilogravura de Dürer, mas nada tão imperdoável quanto a fama que carregou durante quase 500 anos. Ou seja, um simpático rinoceronte usado como referência acabou rendendo cinco séculos de polêmica.
Então, quando você precisar de uma textura fácil de encontrar como um pedaço de papel, um grão de café ou uma flor, dê um passeio, cate uma pedrinha, coloque no scanner. O ar puro lhe fará bem. Ou mesmo em casa: conheço um designer que gastou 40 minutos procurando por uma boa imagem em alta resolução de folhinhas até lembrar que tinha scanner e uma samambaia em casa. Deixe a internet para a textura do solo lunar ou pele do dragão de Komodo. E, se precisar que a textura se repita, o link a seguir tem um tutorial (em inglês) de como transformar a sua imagem na famosa seamless texture: How to Create a Seamless Texture in Photoshop.
O ideal é que você crie a sua própria referência (até para que seu trabalho não se transforme em um rinoceronte com má reputação), mas para aqueles dias chuvosos ou para aquele trabalho feito às quatro da manhã, fica aqui a sugestão de procurar em lugares pouco comuns.
Precisa de um tecido? Que tal um quadro bizantino ao invés daquela textura que todo mundo já conhece? Existem séculos – literalmente – de arte com texturas para nenhum CGtextures botar defeito. Precisa de um olho? Por que não usar um detalhe de um Caravaggio? Os grandes mestres, de uma forma geral, são fontes quase inesgotáveis deste tipo de material. Além de sair do óbvio, ainda tem a vantagem de estar em domínio público.
Um rinoceronte com má reputação. Revista Web Design, Rio de Janeiro, 01 jun. 2010.