Conheço uma senhora alemã que, assim como tantas outras, veio para cá fugindo dos horrores da guerra. As histórias são sempre de terror, recheadas de traumas terríveis, suicídios e, crueldades variadas. Esta senhora, entretanto, sorri. Não se preocupe, caro leitor, esta coluna não será, jamais, uma versão escrita das liçõeszinhas de vida que infelizmente inundam (flood é inundação) o Twitter e o Facebook.

O que mais me impressiona nesta senhora em específico nem é tanto o sorriso largo depois de tanta história difícil. É o seu conhecimento de tecnologia depois de tanta vida sem computador. Deve ter seus 75, 80 anos e dá dicas sobre redes sociais, e-books, celulares. Outro dia estávamos ela e eu esperando uma aula começar e eu não achava uma rede aberta nem com reza forte. Percebendo minha frustração, ela gentilmente pegou das minhas mãos meu Eee-PC e com uma assustadora facilidade se conectou. “Impressionante como pessoas acham que ein-zwei-drei… que 123456 é uma boa senha”, me disse ao devolvê-lo.

Sempre que a encontro penso em como a ideia de que produtos e serviços online devem ser voltados exclusivamente ao público mais jovem ou [insira aqui qualquer “verdade” do meio publicitário] é, no mínimo, ultrapassada.

Vivemos uma época de muitas transformações. Publicações em papel desde Gutenberg se metamorfoseiam em pixels. Redes sociais, não agências de notícias. Youtube, não horário nobre na TV. Não preciso ensinar a missa ao vigário, não continuarei a lista, você a conhece. Pergunto, entretanto, se nós, que estamos “morando” nesta nuvem, temos real consciência de como somos importantes. Tenho certeza de que os filhos da Clara Clarinha vão se gabar na escola de como seu avô, o über CrisDias, ajudou a construir o que seus amiguinhos estarão usando. Até mesmo uma forma única de ilustração nós criamos, algo tão transformador quanto a invenção da tinta a óleo. Lembrando que a ilustração vetorial é, por natureza, mais leve (em termos de Kbytes) do que os bitmaps, fica a dica de que será do ilustrador vetorial o mercado dos e-books, que eu nem preciso falar que vai explodir, né?

Sei que me repito, mas não é a ferramenta que faz o artista. Você pode usar Illustrator, Inkscape, OpenOffice.org Draw, Xara Xtreme, Aviary Online Vector Editor, CorelDraw, DrawPlus, KOffice Artwork… Sim, eu fiz uma salada proposital com programas comerciais, opensource, windows, linux, etc. Google it. Voltando, se você está querendo morder um pedaço do bolo de e-book com suas ilustrações vetoriais, precisa pensar em flexibilidade (nem todos os leitores são iguais), muitas camadas que possibilitem pequenas animações interativas, visibilidade e legibilidade tanto em cores como PB.

É bom ter também uma noção de como os e-books são feitos, para poder atender melhor seu futuro cliente. Considerando como um programa decente de formatação para e-books aquele que consegue exportar vários formatos (e não apenas pdf), temos as versões mais novas do conhecidíssimo InDesign e o igualmente ótimo Calibre que, além de tudo, é opensource. Encontrei também os programas gratuitos eCub e Jutoh, ambos de um mesmo desenvolvedor, Julian Smart, mas ainda não os testei. Como a nossa vida não é simples, claro, a Amazon tem o seu app próprio, o KDP (Kindle Direct Publishing). Quem desenvolve para trezentos navegadores diferentes já deve estar até acostumado. O Gizmodo publicou um bom post a respeito dos formatos de ebook (em inglês) e no eBook Architects, você encontra bons exemplos de diagramação.

Lembre que o Kindle agora suporta Html 5 e portanto aquela conversa de convergência, de soma de conhecimentos, não é para boi dormir. Tudo aquilo que estamos cansados de falar (e ouvir) sobre acessibilidade vale aqui também: o tamanho da letra precisa permitir mudança para se adaptar ao usuário-leitor; o seu índice precisa fazer algum sentido; o conjunto precisa ser leve; mantenha coerência na informação: links com uma mesma indicação em toda a publicação, títulos com a mesma formatação, etc.

Claro que e-books também usam imagens raster mas por conta da leveza, flexibilidade e possibilidade de animação, aposto como o vetor vai rapidamente se tornar o queridinho dos editores.

A minha amiga alemã, apesar de não ser nenhuma n00b, não está nem aí para tudo isso. Tira seu Kindle da bolsa como se tivesse feito isso a vida inteira e, orgulhosa, me mostra o livro do filho. “Dessas coisas só não uso o gravador de DVD que meu filho me deu”, diz. “Não gosto das Fernsehen, não gosto”. Sorrio de volta, cúmplice por também não gostar de televisão e por achar muito divertido essa Torre de Babel em que o mundo se transformou.

 

Vetores, alemão e um pouco de rum. Revista Wide, Rio de Janeiro, 01 fev. 2012.