Tento explicar para os meus alunos que é falta de memória, e não de carinho, o fato de eu não lembrar o nome de ninguém. Não sei se acreditam, mas é verdade.
Lecionar é uma coisa engraçada. A gente fica lá fingindo que esses meninos não são mais avançados que a gente. Eles ficam lá acreditando que a gente sabe mais coisa que eles. Mentira. A única coisa que um professor costumar ter a mais é idade.
Eu fico aqui me enganando, acreditando que com a idade vem a experiência, essas coisas. No meu caso pelo menos, até talvez alguma experiência. Com certeza, dor nas costas, miopia e contas a pagar.
Fico aqui me iludindo que tanto tempo fazendo o que faço deve servir para alguma coisa. Até o presente momento, só me serviu para ter dúvidas.
Basicamente, sou 1,63m de dúvidas. Incertezas é tudo que tenho para oferecer.
Enquanto escrevo essa crônica, minha cachorra dorme no meu colo. Olho para ela e penso como é bom ser cachorro ou gato, que já nascem prontos. Não precisam lidar com muita coisa além de onde está a bolinha, cadê a ração, agrado agrado agrado, passeio passeio passeio, carinho carinho carinho, onde está a maldita bolinha e, eventualmente, oh não hora do banho.
Meu pensamento volta para os meus alunos, adolescentes e jovens adultos. Não é uma época fácil. A maturidade já chegou faz tempo mas os direitos ainda não. É tudo complicado. Até arrumar um lugar para transar é difícil. Ninguém tem dinheiro, autonomia, tempo, liberdade, nada. É um período infernal. Toda vez que escuto alguém dizendo que tem saudades dos seus 16, 18, 20 whatever anos, eu penso “nossa, é verdade que a nossa memória supera traumas com o tempo, mesmo”.
A técnica responsável pelo meu andar, bate na porta, procurando um controle remoto de ar condicionado. Eu respondo “aqui não, não temos controle de nada, somos todos descontrolados”. A turma acha engraçado. Não era piada.
Publicado no portal Vida Breve em 14 de agosto de 2017.