Tenho uma capacidade invejável de abstração. De agora em diante vou me referir à minha distração patológica e crônica dessa forma.
Então, repitam comigo: não é distração, é capacidade de abstração, ok?
Minha capacidade de abstração é tanta que, indo fazer passaporte de filho na Polícia Federal, peguei todos os documentos e deixei o RG dele em cima da minha mesa. Ele precisou atravessar metade de São Paulo, correndo, para buscar enquanto eu fiquei lá no ninho dos ômi para não perder o atendimento.
Eis que senta do meu lado a criança mais birrenta, gritenta, manhenta, barulhenta, remelenta, inconveniente, desagradável, irritante, azucrinante e aporrinhante do planeta. Daquelas crianças insuportáveis que, ao ser pega no colo, bate pezinhos no ar. Sim, eu também acho que é incompetência dos pais mas isso não me impede de desejar que ela tire o passaporte com facilidade e ingresse em uma agradabilíssima viagem sem volta para o Cazaquistão*. Ouvi falar que Almaty é linda nessa época do ano.
* não a estou mentalmente enviando para o outro lado do mundo porque eu gostaria de conhecer a Austrália.
O que me salva nessas horas é, justamente, a minha capacidade de abstração. Então eis que fico lá olhando para o nada (eu sou velha, não fico olhando o celular, fico olhando a parede mesmo) e começo a reparar no tipo de revestimento usado, me impressiono pelo fato de que não tem uma única mancha na parede ou no chão, percebo que o púlpito de atendimento ao público está com a base descolando, essas coisas… Não sei se vocês sabem disso, mas no logo da Polícia Federal tem a data da Proclamação da República e 5 estrelinhas dentro da bolinha central da estrela do brasão. E, embaixo, na haste da estrela (se tem haste, será um catavento?), uma coisa que parece uma gravata borboleta, onde tem um quadradinho vermelho e mais uma estrela dentro. Será que o MBL está ciente disso?
Publicado no portal Vida Breve em 30 de outubro de 2017.