Essa crônica será publicada no dia 17 de dezembro de 2020, no Rascunho. Quando, pontualmente às 15h, entrarei de férias.

Não lembro quando foram as últimas férias-fééérias que tirei. Trabalhei como autônoma durante três décadas. Nunca consegui ter férias de verdade.

Lembro de uma vez, pré-smartphone, quando, em um hotel fazenda e para indignação da minha companhia à época, fugi até a cidade vizinha para checar meu email. Fugi mesmo. Saí de fininho, peguei o carro sem avisar ninguém, estrada, cidade, cybercafé (sim, essa história é velha assim), e-mails respondidos, estrada. De volta ao hotel descubro que as pessoas achavam que eu tinha morrido. Aparentemente não passou na cabeça de ninguém que eu tivesse fugido para trabalhar. Não me conheciam muito bem.

Algumas décadas se passaram e lá vou eu emendar licenciatura, pós, mestrado e doutorado. Durante esse período, tive alguns intervalos que rapidamente preenchi com uma mudança, uma viagem pelo doutorado, um curso que eu estava querendo fazer tinha tempos, reforma na casa etc.

Por conta da exaustão pandêmica, dessa vez não vou inventar nada. Não vou aprender um idioma, fazer um curso, escrever um livro, nada. Contando o recesso das Festas, serão aproximadamente 40 dias. Uma quarentena, de fato e de direito. Passarei vendo série idiota e dormindo.

Meu filho é da opinião de que eu não sei tirar férias. De que não sei como se faz isso. E o sacana está apostando que eu duro uns cinco dias no máximo.

Dezembros tradicionalmente me odeiam. Em 2013 eu estava em um dos piores lugares emocionais dessa intranquila vida. Até o cachorro que eu tinha na infância, o Joaquim, morreu em um dezembro, bem no Réveillon. 2016 foi um ano repleto de más notícias, a pior, adivinhe, em dezembro. Tenho uma péssima relação com finais de ano. Se eu acreditasse nesse negócio de inferno astral, diria que nasci com dois meses de atraso.

Então, estar bem no meio da pandemia e em dezembro é mais espantoso que a apatia brasileira frente aos crimes cometidos pelo nosso governo. Devíamos estar quebrando tudo, botando fogo em carros. Coquetel molotov na cabeça de meganha.

Não tenho nenhum colete, mas amarelo é uma cor que me cai bem. Eu topo. Ando precisando comprar roupa mesmo. Meu único medo é ser confundida com um minion por um míope distraído.

Um levante popular de presente de Natal seria ótimo. Serve também assistir — pipoca em mãos — a impeachment, guilhotina ou cadeia. Aceito qualquer um dos três.

Meu filho tem razão. Nem entrei de férias e já estou aqui inventando uma revolução.

Só assim, para passar o tempo, claro.

 

Crônica publicada no Rascunho, em 17/12/2020