Ao contrário do que a política educacional mundial vigente acredita, estou convencida de que literatura, comunicação, música etc. não podem ser categorizadas como ciência por serem muito complexas. São variáveis demais e a ciência não sabe como lidar com tanta nuance. As Humanidades não são para os fracos.
Começamos com o mais básico da existência, a comunicação. Nem falo da comunicação por feromônios, não. Falo de comunicação através de sinais mesmo. Macacos, rãs, golfinhos e baleias são exemplos de animais que se comunicam através de sons. Camaleões e polvos são tão didáticos que usam legendas coloridas. Considerando gestos e posturas como sinais visuais, praticamente todo ser vivo se comunica. Uma samambaia que não recebe água fica toda murcha. Amigo, se até uma samambaia consegue expressar as suas emoções, você também consegue, tenha fé.
A treta começa quando queremos comunicar uma ideia ou um conceito à distância. Ou seja, na ausência da coisa em si. Apontar para uma direção e falar “ali tem néctar” é bem mais simples do que fazer com que o outro compreenda qual das milhares de possibilidades de interpretação de “néctar” você tem em mente.
O humor, então, é algo para dar pesadelos aos físicos nucleares. Leiam Terry Eagleton, crianças.
Figuras de linguagem são outro caso. Normalmente, supondo que não estamos conversando com nenhum psicopata, quando ouvimos “ai que vontade de esganar fulano” ou “comi até explodir”, entendemos a não-literalidade do que está sendo de fato dito. Entretanto, existem sentimentos mistos. Se eu digo, por exemplo, que me sinto em casa em um determinado lugar, o ouvinte mais atento compreenderá que não é um lugar para onde eu vá de pijama mas sim onde me sinto confortável.
Isso tudo já é complexo o suficiente sem considerarmos o delírio. Existem aqueles que teimam em ouvir o que desejam, esperam ou imaginam e não aquilo que foi dito. E ainda estamos apenas no campo das palavras.
Quando pensamos em imagens, a maior dificuldade em ensinar alguém a desenhar não é o desenho em si, mas ensinar alguém a ver. Ou melhor, desensinar o automático. Temos uma tendência a desenhar o que sabemos que existe e não o que estamos realmente vendo.
Ensinar a desenhar é como uma clínica de recuperação para a visão. É preciso vencer o vício de interpretar antes de ver.
Às vezes parece que observar, ver, ouvir, escutar, analisar e interpretar são artes perdidas.
Vivemos uma época em que as gigantes polaridades filosóficas e políticas tornam a crítica ao outro muito fácil e rápida. Estamos certos de sermos donos da razão e do bom senso. Somos guardiões da ética e do que é correto. Se achamos, por exemplo, que o Brasil é um lugar horrível para se viver, deixamos de enxergar as suas belezas (ou as feiuras dos demais países). Jorge Mautner estava certo: precisamos de mais brasilidade no mundo.
Nossa crise é maior do que política ou econômica. É uma crise de observação e interpretação. Precisamos nos alfabetizar novamente. E aprender a desenhar.
Crônica publicada no Rascunho, em 06/05/2021