Entrego um enorme trabalho que contou com um prazo desumano e vem a ressaca. É um misto de cansaço com vazio. Começo a pensar em mil projetos mirabolantes e o que fazer com o tempo que agora tenho. Descubro que é por não saber o que fazer com tempo livre que me tornei workaholic. Não é por vaidade, necessidade de posteridade ou qualquer outra idiotice do gênero. Não, nada disso. É por pura e simples incompetência em lidar com o ócio.
É assim que imagino como será a minha vida quando meu filho for independente e não morarmos mais juntos, a tal síndrome do ninho vazio. O que fazer com esse tempo, com essa energia que agora está sobrando? Como será quando o único ser que me é mais importante do que eu mesma não depender mais de mim?
O que me aflige não é a desimportância. Com essa eu aprendi a lidar muito cedo.
Acreditei no mito urbano de que crianças pequenas precisam de adaptação ao entrar na escolinha. Filho, minúsculo, no primeiro dia na escola, sequer olha para trás. Precisei arrancar um beijo antes de ele sair correndo para dentro, em direção a sabe-se lá do que. É necessário ter muita autoestima para lidar com o seu bebezinho não precisar de você.
O que me desespera é a falta de atividade. Acho que não conseguirei escapar do destino de me tornar a louca dos gatos. Serei aquela velha que assusta criancinhas no prédio com a roupa cheia de pelos e um chapéu esquisito. Aquela que não sai de casa e reconhece o gato pelo miado, sempre respondendo já vou, Fulaninho. Fulaninho, óbvio, sendo o nome composto do felino em questão.
Emanuela Catarina, Ermenegildo Sebastião. Começo a montar os nomes dos futuros felinos na cabeça. Inútil, nome de bicho a gente dá olhando pra ele, vendo que cara tem. Ainda assim, continuo. Bartolomeu Fabrício, Eugênia Lúcia, Raimundo Samuel, Edgar Ernesto. Serão muitos gatos, preciso estar preparada.
Terei longos debates a respeito do último livro que li com o gato que estiver no colo naquele momento.
Edgar Ernesto, você também ficou impactado? O gato me olhará com desprezo e eu tentarei argumentar contra sua óbvia insensibilidade e a favor da complexidade emocional na narrativa, esquecendo que gatos não sabem ler.
Verei filmes e séries com os gatos, de acordo com a preferência deles, naturalmente. Eugênia Lúcia, por exemplo, gosta muito de Fantasia, do Disney. Não, não aquele lixo que fizeram em 2000. Eugênia Lúcia e eu gostamos do original de 1940. Ermenegildo Sebastião gosta de filmes de James Bond. Bartolomeu Fabrício gosta mesmo é de jogo de futebol mas esse, coitado, é sempre voto vencido.
Um pouco mais e começo a falar com as plantas. Por via das dúvidas, melhor já comprar um sombrero.
Crônica publicada no Rascunho, em 27/05/2021