Troco de celular. Junto com uma faxina e organização do aparelho caminha também a limpeza mental. Encontro, nos contatos, números de pessoas mortas (de fato e/ou emocionalmente). Removo algumas com raiva, outras com dor.
Lembro de que, quando minha mãe morreu, demorei uns bons meses para conseguir apagar o contato dela da agenda. No primeiro dia de um trabalho novo, cheguei a pegar o telefone na mão para ligar para ela. Foi quando me dei conta de que se ela atendesse eu ficaria muito, mas muito, assustada. Então, finalmente, apaguei o contato da agenda. Doeu. Doeu terrivelmente.
Quantos de nós pandêmicos estamos diminuindo, com brutalidade, à força, na dor, com sangue, nossos contatos? Como apagar um contato quando nos recusamos a admitir que a pessoa não está mais aqui? Que foi assassinada por uma política genocida, corrupta e mesquinha? Como explicar pro nosso coração que alguém importante se foi enquanto aquele negacionista arrogante e burro (ainda) sobrevive?
Alguns, os desafetos, retiramos da agenda com a pura força do ódio. Dá até vontade de mudar de número, só para ter certeza de que aquela assombração não vai mais nos encontrar. Para isso, felizmente, Deus inventou o block.
Outros, os afetos, retiramos da agenda a fórceps, rasgando a carne, arrebentando tudo aquilo que somos? Nessas horas penso em luta armada, revoltas e guerrilhas. Face à minha absoluta inaptidão com armas, o cenário apocalíptico só acontece na minha cabeça.
Precisamos lidar com os nossos problemas que — veja você que absurdo — não sumiram com a quarentena. Somos perseguidos ainda pelas perdas e pelo acúmulo de trabalho. Ao contrário do que pensa o nosso empresariado, estamos trabalhando muito mais. Sem falar nos oito mil e-mails desnecessários, reuniões inúteis e “iniciativas de criatividade”.
O horror, o horror.
É muito excesso de bagagem para carregar.
O que me resta são banhos de ervas, sal grosso e incensos. Não acredito em nenhum desses, mas uso o terceiro para dar um cheirinho bom na casa.
Acredito mesmo é na força da vingança. E que uma das melhores vinganças é o escárnio, especialidade tupiniquim.
O humor e os memes representam o melhor do Brasil, estou convencida.
O humor nos acompanhará até o último suspiro da espécie.
Nesta semana tivemos a foto do Lula e da Janja sob a lua.
O perfil “famososemprofissoescomuns”, no Instagram, descreveu a foto da seguinte maneira:
DE MALA PRONTA: O turismo brasileiro, um dos setores que mais sofreu com a pandemia do coronavírus, já começa a ver sinais voluptuosos de recuperação. O casal Jéssica Pompeo e Basílio Monteiro, proprietários da JeBa Tour, que fica em Caetés (PE), já percebe um acentuado e visível crescimento no volume de buscas por passeios, principalmente entre casais. “As grandes viagens ainda não acontecem, mas a busca por pacotões de viagens para lugares paradisíacos e românticos já aponta para cima”, conta Basílio. O empresário garante que, durante todo o período de pandemia, se preparou para subir correndo a rampa de retomada do crescimento, prevista para ser efetivada, segundo especialistas, em outubro de 2022. “Nós sabemos que os últimos tempos foram difíceis, mas a retomada deve ser boa, com viagens de volta e picanha, linguiça, coxão duro para comemorar”, profetiza. Feliz da vida, Jessica espera que o único problema do brasileiro no futuro seja o excesso de bagagem. “Temos lidado apenas com necessaires e bolsinhas de mão com nossos clientes. Assim como eu já estou sentindo, o brasileiro também voltará a sentir a mala crescer”, profetiza. Na foto, o casal posa na Praia de Pau Grande, em Piúma, no Espírito Santo, um dos destinos oferecidos pela agência.
Duplo sentido é o nome do meio do brasileiro.
Estou rindo até agora.
Crônica publicada no Rascunho, em 26/08/2021