Descubro, aos poucos e eliminando o pouco de vergonha que ainda me restava nessa vida, que existem muito mais lugares do que eu imaginava onde podemos entrar com cachorro.
Fiona Heloísa, falecida em dezembro de 2021, não passeava. Tinha taquicardia, artrose, osteoporose e mais um monte de outros problemas. Faleceu com 20 anos, boa parte desses em cima do sofá. Então, é um certo mistério para mim aonde é possível ir acompanhada de um amigo canino.
Nina Simone e eu já compramos sapato, calça, caderno e parafuso. Já colocamos encomendas nos Correios, deixamos coisas para imprimir na gráfica e roupa na costureira. Todo dia tomamos café na esquina. O próximo passo é ir com ela ao shopping. Ainda não fomos porque eu não tenho nada para fazer lá.
É muito curioso o quanto imaginamos limites que não existem.
Permissões ou proibições, como entrar ou não com cachorro em um determinado lugar, são uma coisa engraçada e, em parte, arbitrária.
Um dos meus passatempos favoritos na adolescência era descobrir leis estranhas. Lembre-se que eu sou anterior à internet e que, na época, isso era uma descoberta e tanto.
Em Baltimore é proibido entrar com um leão no cinema. Em Maryland é ilegal fazer ou receber sexo oral e, também, pagar um drinque para uma bartender mulher. A lei do drinque é de 2010. Em Los Angeles é ilegal lavar o carro do seu vizinho sem permissão. Em Denver é proibido dirigir um carro preto aos domingos. Existem, entretanto, algumas leis que, para mim, fazem todo sentido: em Blythe, na Califórnia, para usar uma bota de cowboy, o cidadão precisa ter pelo menos duas vacas. Vitória para a fashion police.
Na França é proibido chamar um porco de Napoleão. E agora eu quero um porco chamado Napoleão. Como moro em apartamento, passarei a chamar o meu espírito de porco assim. Tá valendo. Também é ilegal casar com uma pessoa morta. Prefiro nem saber qual foi o caso que gerou essa lei francesa.
Na Rússia é proibido falar qualquer frase que contenha mais do que quatro palavras em inglês. Agora, of course, eu quero speak english em Moscou ou maybe not porque tenho medo da russian police.
As crianças nascidas em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, no País de Gales, precisam saber soletrar o nome da cidade até os seis anos de idade, mas tem até os 34 para conseguir pronunciá-lo.
Em Budapeste, sexo só é permitido no escuro. Napoleão e eu agora queremos ir para Budapeste só para transar durante o dia.
A lista continua, é claro. Os gringos são estranhos.
Falo “os gringos”, ou seja, o “outro”, porque no Brasil nós temos uma coisa chamada letra morta e uma instituição conhecida por “lei que não cola”. Então, por exemplo, a Lei da Melancia (Rio Claro, SP), de 1894, foi simplesmente esquecida e ignorada. Há uma certa beleza poética em um povo que decide que uma lei não faz sentido e simplesmente não a segue. É a lei que não cola e que acaba por se tornar, eventualmente uma letra morta. Nós temos a desobediência civil no sangue.
Nina Simone, que completa um ano hoje, 14 de julho, é inquieta. Entendo perfeitamente o olhar que diz “hora do parque”. Como todo humano bem adestrado, imediatamente paro o que estou fazendo, levanto e vamos.
Crônica publicada no Rascunho em 14/07/2022