Dom Pedro teve o coração preservado em formol, me ensinaram as notícias recentes.
Lembrei do pênis do Grigori Rasputin. Há um mito de que media 33 centímetros e que seria capaz de fazer mulheres desmaiarem. Rasputin morreu em 1916, posteriormente, portanto, à invenção do cinema. Outro mito sobre o místico/monge é de que é ele em alguns filmes explícitos expostos no Museu Erótico da Rússia.
Já o pênis de Napoleão Bonaparte foi roubado durante a sua autópsia e viajou vários lugares do mundo. Você pode acompanhar essa excitante história no livro As partes privadas de napoleão: 2.500 anos de história descompactada (2008), do australiano Tony Perrottet, um escritor e colaborador da revista Smithsonian.
Esse negócio de guardar o pinto no formol é uma coisa tão… tão, que existe até o Museu Falológico Islandês, dedicado a preservar o órgão sexual fálico de várias espécies diferentes. Depois vem o Freud dizer que é a mulher que tem inveja do pênis. Não é, não, colega. É o outro homem mesmo, se liga.
Criogenia, mumificação, embalsamamento, plasticização, empalhamento, formol, mel… Os humanos tentam preservar corpos desde que o mundo é mundo. Acho tudo estranhíssimo.
O Livro dos mortos, egípcio, nos conta tudo o que é necessário para passar pelo Tribunal de Osíris, sobre quem era ou não digno. O livro-que-não-era-um-livro ensina, inclusive, como mentir deslavadamente sem ser descoberto: basta proteger o coração com um amuleto de escaravelho. Quem não fosse aprovado nesse processo seletivo teria o coração comido por Ammut. Para os aprovados, o longo e perigoso caminho para o Aaru, um tipo de paraíso onde ainda era necessário trabalhar pelo resto da vida eterna. Sei não, mas fico muito na dúvida.
Por outro lado, na Grécia Antiga, a pessoa só morria mesmo se fosse esquecida. Acho interessantíssimo que Léthê (esquecimento) é o oposto, em grego, a Aleteia (verdade). Ou seja, o “belo, justo, bom, verdadeiro” platônico já nasce com alguns séculos defasado. A beleza, a bondade ou a justiça não têm relações com a verdade. A verdade tem relação com a memória.
Tem um vídeo do Saramago falando sobre a Pilar del Río como sendo “o grande acontecimento da [sua] vida” que é das coisas mais românticas que eu já vi.
Ser “o grande acontecimento na vida” de alguém, além de ligações genéticas (pai, mãe, filho, essas coisas), me parece uma incrível meta de biografia.
Como gostaria de ser lembrada? Supondo, claro, que seja lembrada por alguém. Um “grande acontecimento” me parece uma boa resposta, mas não tenho certeza se sincera.
Sem contar o Vida Breve, essa é a minha centésima crônica no Rascunho e fiquei um pouco mais reflexiva que de hábito.
Devo estar mais ou menos nessa marca também, por volta dos cem, de ilustrações no Rascunho.
Tenho imenso orgulho em fazer parte disso tudo.
Acho que é essa a resposta. Já que não tenho um pênis para guardar no formol, quero ser lembrada com alguém que fez coisas das quais se orgulhou; que se relacionou com pessoas que respeitou; que gostou de quem admirou e; que amou quem quis, enquanto quis. Porque é sempre uma escolha. Sempre.
Crônica publicada no Rascunho em 25/08/2022