Exaustos, sentamos no posto para uma cerveja.
Nina Simone, a vira-lata, nos acompanha.
O morador de rua bêbado passa fazendo graça e pedindo um trocado.
Mexe com Nina.
Nina rosna.
Ele dá razão à cachorra e conta dos seus cachorros, todos os oitocentos e quarenta de sua vida.
Acho doce e dou o único dinheiro que tinha. Quem ainda anda com dinheiro, meu deus?
O dono do posto aparece, expulsando o morador de rua, que responde “eu te amo, cara” e vai embora.
Suco de Brasil.
Sei que vou na contramão de muita gente, mas eu adoro ser brasileira.
Filho, Nina e eu, em silêncio. A cerveja acabando. Os três vira-latas prestando atenção, desavergonhadamente, à conversa da mesa ao lado.
Ernest Hemingway disse mais ou menos assim: “Eu gosto de escutar. Eu aprendi muito escutando cuidadosamente. A maioria das pessoas nunca escuta”. Ou algo parecido com isso, minha fonte não é muito confiável, mas vale pela ideia da coisa.
A escuta é algo importante na minha vida. Não no sentido de bisbilhotar a conversa alheia, mas no sentido de se abrir para o outro.
O dramaturgo francês Pierre de Marivaux dizia que “escutar bem é quase responder”. Ele escreveu umas trocentas peças. Eu só vi uma, Arlequin poli par l’amour, muito menina, aluna do Liceu Franco Brasileiro. É uma comédia e me lembro que gostei. Hoje, lendo a peça, percebo o quão inadequada é para a idade que eu tinha à época, mas tudo bem. Existe a possibilidade de ter sido uma montagem açucarada para a plateia em questão, não lembro. Ou, se não, terapia existe para isso mesmo.
Praticar a escuta às vezes significa escutar o passado também.
São muitos rios e meu coração se deixa levar.
A menina que frequentava o Liceu ainda existe aqui, em algum lugar.
Sigo na escuta da vida, do mundo. E converso com Nina. Ela é ótima ouvinte.
Crônica publicada no Rascunho em 09/02/2023