Tem um povo que está sempre do lado certo da vida e que me irrita profundamente.
Os calmos em lugares de estresse, por exemplo.
Eu vi claramente a recepcionista do hospital dar uma lixadinha na unha antes de chamar a próxima senha, uma antes da minha. Sei bem como pode ser incômodo uma unha começando a quebrar ou arranhando. Também sei que a ação não durou nem um minuto. Não vou mentir, quis voar na jugular da mulher. Só não o fiz porque julguei que atrasaria ainda mais o atendimento.
Ou então aquela turma iluminada no LinkedIn. Acabou de ser demitido e está lá agradecendo a experiência e sei lá o quê. Em seguida os eufemismos de “aberto para novas oportunidades”. Amigo, você está procurando emprego. E digo mais, desesperadamente, como todo brasileiro. O texto é de alguém plácido, pleno, calmo. Desculpaê, mas eu estudei semiótica. Noto o olhar perdido na foto, você não me engana. O dedo do block chega a tremer. LinkedIn é o lugar para onde a noção vai para morrer. Isso aí a gente chama ou de falsidade ou de negação, dependendo apenas a direção do vetor. Recomendo terapia.
E aquele povo que só falta levitar de tão bem com a vida que está? Quem, deus do céu, tem a vida sob controle em 2023?
Tem ainda aquela galera que se separa e faz post motivacional. Esses eu estou convencida de que só tem acesso à internet graças à luta antimanicomial. Toda separação, todo término, toda ruptura, tem dor. Gradações diferentes e individuais de dor, mas tem dor. Ou então não era um relacionamento afetivo. Das duas uma: ou você está mentindo sobre a separação ou sobre o relacionamento. Tira esse sorriso namastê daí, meu filho, que eu não nasci ontem.
Um colega de trabalho me perguntou o que eu acho do TikTok e lembrei das hilárias perguntas que os congressistas norte-americanos fizeram para o CEO, Shou Zi Chew. Richard Hudson questionou, irritadíssimo, se o aplicativo usava a rede WiFi da casa dele. Buddy Carter não compreendeu para que o aplicativo precisava saber onde estão os olhos em um rosto para aplicar um filtro de óculos escuros. A conversa acabou fatalmente chegando no ChatGPT, já que a minha teoria é de que foi a Inteligência Artificial que escreveu as perguntas para o Congresso. Só pode. Quero crer que um humano não seria tão burro. Faz tempo que entendi que, infelizmente, eu não determino o que existe ou não no mundo. Que diferença faz o que eu penso ou deixo de pensar? Minha opinião não importa a mínima. O treco vai continuar existindo, não vai?
Mas, de todos, de todos mesmo, os que mais me irritam são os incapazes de interpretação de texto. Para esses, dedico uma Carly Simon especial outono: And you’re so vain/ You probably think this song is about you/ You’re so vain/ I bet you think this song is about you/ Don’t you, don’t you, don’t you.
Aqui, no lado errado da vida, a gente faz besteira pra caramba, com vontade, com força, com sinceridade. A gente erra, se irrita, se frustra, se aborrece, se machuca, se arrebenta, se emputece. Aqui, no lado errado da vida, não tem sorriso namastê em post motivacional. A gente sabe que é gauche mesmo, tudo bem.
Eu até gosto do chato do querubim.
Crônica publicada no Rascunho em 30/03/2023