Nina e eu gostamos de frequentar um café aqui perto onde vive um jabuti chamado Romeu. Costumava ser Julieta, mas depois descobriram que era um senhor. Mora, não, desculpe. Nina e eu gostamos de frequentar um café aqui perto administrado por um jabuti chamado Romeu.
Normalmente Romeu não passeia pelo quintal, onde ficam as mesas, quando tem muita gente ou doguinhos. Romeu, como todo jabuti, é sábio. Dessa feita, entretanto, ele decidiu pegar um solzinho perto da gente.
Nina ficou muito, muito confusa. Ela nunca tinha visto uma pedra com pernas, uma pedra que caminha.
“Será que é esse tal de Rolling Stones de quem mamãe tanto gosta?”, Nina perguntou.
Em um misto de curiosidade, medo, ódio territorialista e “preciso proteger a minha mamãe dessa criatura perigosíssima”, se enfiou no meio das minhas pernas e ficou ganindo.
Romeu, por outro lado, não estava nem aí.
Nina derrubou o resto do meu chá e, não satisfeita, roubou o último pedaço de pão. Desisti. Tenho desistido com bastante facilidade. Velhice, cansaço ou sabedoria quelônia, você decide.
Quando viemos para São Paulo, minha mãe deixou a sua jabuti (sim, eu sei — depois de uma googlada — que o feminino é jabota, mas minha mãe me mataria se ousasse escrever uma palavra tão alheia à elegância de sua jabuti) no meio do caminho, em Visconde de Mauá, no sítio de uma amiga dela. Dela minha mãe, não dela jabuti. Lola — de Corra, Lola, corra — foi então viver no sítio onde já morava, em um laguinho, um jabuti solitário. Meu filho, pequeno, perguntou pela Lola. A avó respondeu: “casou e foi morar num laguinho”.
Anos se passam. Talvez uns dez ou doze. Filho então arruma coragem e diz que já tem idade suficiente para saber a verdade. Queria saber como tinha morrido Lola, certo da resposta ser um eufemismo desses que às vezes contamos para crianças pequenas. A criança passou mais de década achando que a jabuti tinha morrido, coitada.
Lola era tratada com luxo. Suas verduras, sempre frescas, eram as primeiras a serem escolhidas. O que sobrava virava salada para os humanos. Lola ganhava colo, cafuné e tinha o casco frequentemente limpo com uma escova de dente macia.
Existem muitas diferenças entre jabuti, cágado e tartaruga. Formato de casco, alimentação, etc. A única que eu lembro é que o jabuti é terrestre, a tartaruga é aquática e o cágado não fica nem cá, nem lá. O cágado é o PSDB dos quelônios (você escolhe se com ou sem acento).
Sempre fico achando que alguém deveria criar um prêmio musical chamado Tartaruga. Temos o Prêmio Jabuti, literário, palpável, verbal, textual, terrestre. Deveríamos ter um aquático, musical, fluido, líquido, Tartaruga.
Como a minha relação com música é de consumidora final, não me arrisco. De música, só sei ouvir.
Quando jovem, tentei aprender violão. Insisti durante uns bons dois ou três anos, até ouvir “ah, você desenha tão bem…”. Desisti. Hoje desistiria mais rapidamente.
A velhice ensina.
Crônica publicada no Rascunho em 29/06/2023