Vamos no almoço executivo indiano do final da Paulista. Sentamos, pedimos. Ligam a televisão. Olho em volta. Além de nós dois, mais cinco pessoas ao todo, divididas em três mesas. Nenhuma delas olha para a tevê. Todas ou estão conversando, ou estão no celular. Me levanto. Peço para desligar. Desligam. Passam dez minutos, ligam novamente. Levanto. Peço para desligar. Tiram o som. Passam dez minutos, aumentam o som. Levanto. Peço para desligar. O dono me diz para sentar em outro lugar. Respondo que ninguém assiste e que o som e a luz alcançam todas as mesas, que não fará diferença. Tiram o som. Almoçamos para nunca mais voltar.
Paro para tomar um café. Chegam três homens. Sentam do meu lado. Falam alto. Quem fala alto raramente tem algo interessante para dizer. Falam bobagens. Perturbam absolutamente todos ao redor. Falam alto, riem alto, coçam o saco alto, existem alto. É para compensar a falta de conteúdo, de sal, de charme. Dessa vez não fui eu a levantar. Um senhor na faixa dos 90 levanta com alguma dificuldade e pede silêncio. É maltratado pelos três homens mais jovens, da minha idade. Que vergonha. O senhor e eu vamos embora para nunca mais voltar.
Estou em pé, em uma fila, tentando entrar em um metrô que já sei lotado. A mulher à minha frente assiste a um vídeo no celular, sem headphones. Assiste para que todos assistam juntos, querendo nós ou não. Nós, os outros seres humanos à sua volta, somos obstáculos, objetos a ultrapassar, não merecemos a sua educação. Não gosto de sentimentos colonizados, mas preciso dar o braço a torcer de que essa é uma desconsideração tipicamente sul-americana, infelizmente. A fila anda. Estarei aqui ainda muitas vezes na vida.
Faço uma compra online. As notificações no whatsapp usam uma linguagem que algum marketeiro muito sem noção julgou jovem. A compra é de informática. Acham que só jovem usa informática. Ou que jovens se comunicam textualmente com termos como “seu pagamento deu match!”, “fera demais”, “ah, se liga!”. Repitam comigo, crianças: fica falso, ridículo e incomoda o leitor com mais de um neurônio na cabeça. Comprei ali para nunca mais comprar.
Nina e eu entramos em um café pet friendly. Ao entrar, um casal que estava saindo grita comigo “recolhe” para que eu encurte a guia dela. Se eu tivesse treinado essa cachorra e não o contrário, teria gritado de volta “pega”. Nina me olhou como quem se pergunta por que mesmo que eu não lati de volta. Eu também não sei, Nina. Eu também não sei.
Escolho, com todo cuidado, um banco à sombra. Abro um livro. Imediatamente senta uma pessoa ao meu lado e começa a puxar conversa. Peço licença, digo que tenho horário e procuro outro lugar. Outra pessoa, outro banco, mesma cena. Desisto e vou embora. Vou comprar um daqueles headphones enormes, que as pessoas enxergam à distância, e fingir que não escuto ninguém.
Entro no cinema. O casal à minha frente, não satisfeito em conversar alto, abre o celular e vem aquela luz forte na minha cara. O cinema está vazio. Desisto e mudo de lugar. As pessoas desaprenderam a conviver em sociedade.
Google me informa que a frase “Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto do meu cachorro” é do matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662). Confesso que eu esperava alguém bem mais contemporâneo. Tipo Hemingway. Ou Kerouac. Ou Leminski. Ou Bukowski. Algum bêbado contracultura beat etc. qualquer.
Resolvemos, Nina e eu, não entregar os pontos. Caminhamos, mais uma vez, em busca de um silêncio perdido. Haveremos de encontrar. Nem que, para isso, eu tenha que aprender a latir.
Crônica “Silêncios perdidos”, publicada no Rascunho em 18/04/2024. Ilustração: Eduardo Mussi.