As narrativas estruturantes do grafos
Trabalho apresentado no IX Seminário Histórias de Roteiristas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, dias 27 e 28 de setembro de 2018. (arquivo da apresentação)
Vivemos uma época de visualidades. E são essas visualidades – fotografias, gráficos, infográficos, tag clouds, ilustrações, esquemas etc – que nos ampliam a compreensão de mundo.
A minha pesquisa envolve três partes interdependentes. A primeira, uma análise e geração de dados a partir da obra de van Gogh e de suas cartas para o irmão Theo. A segunda, uma metodologia de interpretação e visualização dessas informações. A terceira, a apresentação e o entendimento dessa visualidade como proposta artística e curatorial.
Essa proposta é parte da minha pesquisa de doutoramento, que questiona a visualidade dos grafos relacionais como uma possibilidade artística e curatorial. O objetivo da pesquisa é repensar tanto as possibilidades curatoriais na contemporaneidade, quanto a minha própria produção artística. Em tempos de desvalorização cultural, faz-se necessário criar alternativas que estejam mais próximas da fruição rizomática, não-linear, do público contemporâneo.
A pesquisa se desenha por camadas metodológicas, triádica (no sentido peirceano de multiplicidade), com um contínuo redesenho metodológico, incluindo a pesquisa documental analítica bibliográfica e a pesquisa metacriativa. A multidimensionalidade da pesquisa, portanto, é metacuratorial.
Para efeitos de clareza, considero toda obra de arte como “texto”, no viés de sua interpretação. Há, primeiramente, a questão da interpretação em si. Nessa questão, o referencial teórico foi Paul Ricoeur. Esse trabalho segue a linha de pensamento do “eixo hermenêutico”, de que qualquer interpretação é uma suspeita e nunca está acabada em si. Portanto, a obra sobrevive. Na construção do pensamento curatorial, poético e artístico, foram visitados Adauto Novaes, Alberto Manguel, André Malraux, Anne Cauquelin, Ernst Gombrich, Giorgio Agamben, Peter Bürger. A reflexão sobre processos criativos embasou-se em Mihaly Csikszentmihalyi. As questões de linguagem encontraram em Marcos Rizolli, Marshall McLuhan, Michel Foucault e Vilém Flusser, o seu referencial teórico. A parte que tange a tecnologia como forma de pensamento buscou suas referências e embasamentos em Manuel Castells. Esses autores, mesmo que não citados diretamente no decorrer dessa pesquisa, criaram a cosmovisão que posiciona a pesquisa no tempo e no espaço.
As análises de obras visuais perpassam diversas linhas, tais como iconográfica, sociopolítica, cromática, compositiva, poética, temática etc. Todas essas análises iniciam-se com dados de difícil mensuração quantitativa. A visualização gráfica auxilia a enxergar padrões e extrair sentido de uma grande quantidade de informação, permitindo que o pesquisador dedique-se ao pensamento, à reflexão, ao contexto em que essas informações se inserem e à conexão entre elas. Quando a informação está organizada em grafos, forma-se um cenário claro ao ponto de serem, em determinados casos, também chamados de mapas de informação ou mapas visuais.
A visualização gráfica auxilia a enxergar padrões e extrair sentido de uma grande quantidade de informação, permitindo que o pesquisador dedique-se ao pensamento, à reflexão, ao contexto em que essas informações se inserem e à conexão entre elas, sem perder tempo e energia submerso em longas tabulações de dados. Quando a informação está organizada em grafos, forma-se um cenário claro ao ponto de serem, em determinados casos, também chamados de mapas de informação ou mapas visuais.
Essa metodologia não pretende – e nem poderia – substituir as análises qualitativas. O objetivo de seu desenvolvimento é o de fornecer ferramentas, subsídios e resultados compreensíveis por todas as especialidades do Conhecimento.
A questão metacuratorial perpassa toda a pesquisa, desde a seleção e organização dos dados levantados e gerados, passando pela configuração de suas visualidades e concluindo-se na concepção artística e curatorial de sua apresentação.
Analisar, interpretar, reanalisar, reinterpretar uma obra de arte é trazê-la ao presente, é dar a ela vida novamente. E, como ser vivo, que respira e interage, tem algo a dizer. Italo Calvino diz que um clássico é aquele que ainda não acabou de dizer o que tem para dizer. É, portanto, um ser que fala, um ser vivo. Lethé, o rio do esquecimento que passa pelo Hades, é o rio da morte. Os gregos consideravam que o pior que poderia acontecer a alguém é ser esquecido. O não-esquecimento é, portanto e por oposição, um elogio. Uma nova análise de uma obra de arte pode revelar aspectos ainda não vistos, mesmo que a obra em questão tenha se tornado um bem de consumo.
A interpretação não se esgota jamais, pois nela existe também o Eu de quem interpreta. Considerando que esse Eu é sempre mutável, ao fazer isso com uma obra de arte, teremos necessariamente um novo olhar, uma nova interpretação e, portanto, uma nova vida. Essa é uma questão central no presente trabalho. A interpretação possui em si própria tanto aquilo que é interpretado quanto aquele que interpreta.
Além da nossa fruição que, por sua vez, também possui o Eu, o Outro e o interpretado, existem ainda os sujeitos/atores da criação do interpretado. Com relação aos níveis de análise do “percurso gerativo do sentido”, essa pesquisa também chama a atenção para o nível discursivo,
Essa pesquisa é, portanto e também, metadiscursiva.
Para iniciar a produção dos grafos, escolhi propositalmente um artista que tivesse tanto registros na linguagem verbal quanto na pictórica e que tivesse uma forte aderência comigo. O artista escolhido foi Vincent van Gogh. A minha pós-graduação em História da Arte: Teoria e crítica, defendida na Universidade Belas Artes de São Paulo em 2016 foi sobre O quarto em Arles. Como é normal entre os pesquisadores, a pesquisa não termina em sua defesa e esse é um artista que continua a me acompanhar.
Van Gogh é, para mim, uma força motriz, uma força da natureza.
Vincent Willem van Gogh (30 de março de 1853 – 29 de julho de 1890) foi um pintor pós-impressionista holandês. Não obteve sucesso em vida, mas apesar de estarmos distantes de van Gogh por mais de um século, as suas obras e sua biografia permanecem como sendo das mais influentes, não apenas no universo artístico, mas como parte do ideário popular mundial.
A influência e importância de van Gogh, per se, já seriam suficientes para justificar a escolha. Entretanto, o principal motivador foi a sua técnica de pintura que, assim como a apresentação de um grafo como arte e curadoria, transforma algo pré-existente em algo inovador: a tinta e o grafo já existiam anteriormente, a sua utilização que é inédita e, ao mesmo tempo, inseparável da poiésis. A tinta e o grafo são, ao mesmo tempo, pensamento e matéria, técnica e expressão, veículo e percepção, linguagem e visualidade.
Pensar em informação relacional e informação relacionando-se com tecnologia é, obviamente, pensar em grafos. A teoria dos grafos estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto, sendo muito utilizada na matemática aplicada e na ciência da computação. Os grafos resultantes da pesquisa são parte indissociável e fundamental dos dados que os geraram. A partir de análises das obras de Vincent van Gogh, considerando as características de luminância e pigmentos Ciano, Magenta, Amarelo e Preto de cada obra individualmente e catalogando-as de acordo com data e local de realização, os dados utilizados foram gerados.
Entretanto, as escolhas feitas determinam não apenas a sua aparência mas também os itens, características, pontos, elementos, unidades e critérios mostrados. Com isso, há uma escolha – absolutamente consciente, individual e única – para cada elemento de dado e visual. Há, portanto, uma narrativa expressiva, tanto de quem cria os grafos, quanto de quem os frui.