Para quem não sabe como é, vou descrever uma crise de labirintite.
Você está lá, ótima, plena e bela e de repente o seu ouvido diz “hold my beer”.
Você perde o controle da sua cabeça, do horizonte, do equilíbrio, do foco, de tudo. Se deitar, piora. Se fechar os olhos, piora. Tomar remédio ajuda mas só resolve de verdade no prazo de algumas semanas. E o remédio dá um sono desgraçado mas, conforme estabelecido, deitar piora; fechar os olhos piora. Logo depois da vertigem e da tontura, vem o enjoo e, com ele, a incapacidade de ingerir qualquer coisa. O remédio faz mal pro estômago, seria bom comer algo mas nesse momento isso está além das suas capacidades. Você não consegue ficar em pé e não consegue ficar deitado. A solução é sentar na cama a exatos 120°. Você tenta encostar a cabeça. Encostar a cabeça, é claro, piora. Ler é uma missão impossível. Ver televisão, adivinha, piora. O remédio começa a fazer efeito e você cochila. Acorda e tenta levantar. Retorne ao início do parágrafo e comece de novo por, no mínimo, o dia inteiro.
As minhas crises costumam durar por quatro ou cinco dias. E eu preciso trabalhar. Os prazos me mordem os calcanhares.
Ao mesmo tempo que eu me sinto absolutamente inválida e incapaz das tarefas mais simples, sei que não é nada grave, que vai passar, que vou ficar bem, que é só esperar.
Essa noção da falta de gravidade da doença, entretanto, só se estabelece depois da primeira crise. Na primeira, você sinceramente acha que está morrendo. Sem exageros.
Lembro como se fosse hoje.
Eu estava no sétimo andar de um shopping no Rio de Janeiro que ganhou dos cariocas o simpático apelido de “Escada Shopping”. E, proporcionalmente à barriga, estava grávida de onze meses. Eu morava ali do lado e estava voltando para casa. Na hora em que ia descer a escada rolante, a estrutura interna do ouvido ficou bêbada. Em pânico, liguei pro meu pai vir me salvar.
Que eu não gosto muito de médicos não é novidade para ninguém. Grande parte desse meu desafeto vem justamente do labirinto. Alguns dias depois do episódio no Escada Shopping, descubro o talento torturador dos médicos otorrinolaringologistas. Sabe como é o exame para saber se você tem labirintite? Causar a labirintite! Eles sopram um ar quente dentro do seu ouvido. Se você morrer, era. Se sobreviver, sem diagnóstico. Me senti uma bruxa: se morrer afogada, não era bruxa.
No quesito bruxaria, sou totalmente Rita Lee. “(…) nem toda feiticeira é corcunda/ Nem toda brasileira é bunda/ Meu peito não é de silicone/ Sou mais macho que muito homem.”
Apesar dessa macheza toda, meu ouvido é espírito de porco e de vez em quando tenta me matar.
Deixa. Afinal, esse negócio de equilíbrio é tão 2019.
Crônica publicada no Rascunho, em 05/08/2021