Sempre chego cedo nos lugares. Poucas coisas nessa vida me estressam mais do que estar atrasada. Então, é muito, muito comum ficar esperando. Depois de 46 anos de prática, aprendi a usar a sarjeta com maestria, a sentar em canteiro, me fingir de invisível. Quando tem banco de praça, então, verdadeira camaleoa.
Cena 1: Em frente à agência do meu banco, tem uma pracinha. Nessa pracinha, mora uma família sem-teto. É uma configuração familiar quase tão estranha quanto a minha. Tem um casal mais velho, um casal mais novo, um bebê, um filhote de cachorro e três gatos. Os gatos são os únicos em coleira. Eles têm uma barraca de camping, caixinhas para os animais e alguns utensílios domésticos, como uma vassoura. Aquela praça nunca esteve tão limpa. O homem mais velho lia um jornal quando chegou um pastor. O pastor estendeu a mão, o homem o cumprimentou, educadamente. Em um ato contínuo e de uma forma tão automatizada que não me pareceu ter sido proposital, o homem limpou a mão com álcool gel. O pastor gaguejou e eu ri.
Cena 2: Eu tenho uma janela no meu horário. No início do semestre eu ficava na sala trabalhando. Hoje, que consegui organizar um pouco melhor a vida, gosto de ir tomar um café. Estamos lá numa relação íntima e exclusiva, meu café e eu, quando senta ao meu lado uma moça. A moça atende o celular e diz: “sim, precisa ser verde, [pausa], sim, sim, [pausa], 8 está bom, [pausa], não posso ir mas o Zé vai no meu lugar, [pausa], fica tranquilo, ele sabe o que está fazendo, [pausa], o tamanho não tem importância, [pausa], coloca o ventilador, [pausa], fita crepe resolve, [pausa], beijo, ciao.” Eu estou até agora tentando imaginar o assunto. Vocês nem querem saber o que já passou pela minha cabeça.
Cena 3: Eu, no metrô, linda e bela confortável. Entra um velhinho. Cheio de hômi no vagão, nenhum dos putos sem mãe levanta. Eu levanto. O velhinho me diz, percebendo a minha irritação com os marmanjos, “liga não, querida, devem ter dado a noite inteira, a bunda cansa”. Eu ri. Seis levantaram. SEIS. Homem é um animal muito, muito burro.
Cena 4: Um gremlin, digo, um menino dos seus 5, 6 anos, sentado à mesa na padaria, ao meu lado, reclama de absolutamente tudo. O pai lá tentando agradar o pequeno inferno. E o menino reclama. Batata frita? Quente. Milk-shake? Gelado. Sanduíche? O pão está mole. Brigadeiro? Não é igual ao da mamãe. O que me pareceu alguns meses depois, o pai diz, baixinho, quase um lamento: “nossa, filho, imagina só quando você for velho e cheio de manias…”
Cena 5: Todo dia, mais ou menos no mesmo horário, na porta da minha casa passa um rapaz com um cachorro. O cachorro é fofinho, pequeno, escovado, perfumado e usa uma gravatinha azul na coleira. E é bravo como se pudesse sê-lo. Implica com todo mundo. Late, ferozmente, para todo mundo. Odeia todo mundo. Rosna para todo mundo. Para todo mundo exceto para o vendedor de batata frita. Olha, não sei, não, mas alguma história aí tem.
Cena 6: Sento num café, um bom livro, 90 minutos disponíveis antes do meu próximo compromisso. Só que estou cansada e não aguento ler. Fico olhando pela janela. Tem uma moça em pé, esperando alguém, na rua. Começa a chover. Ela nem se move. Fica lá, encharcando aos poucos. Para de chover e ela lá, pingando. Ela não se mexeu nem um centímetro. Acho que nem piscou. Para um carro na frente dela. Ela abre a porta do carro, mostra o dedo do meio, bate a porta, vira as costas e vai embora. Gostei dela.
Depois as pessoas não entendem quando digo que não me importo em ficar sentada ali na calçada olhando o mundo. Na verdade, até gosto.
Publicado no portal Vida Breve em 09 de outubro de 2017.