O Arthur Tertuliano postou no Facebook que, ao ser perguntado com que cor se identificava, ele respondeu “roxo”, sem perceber que era uma pergunta a respeito de cor da pele. Eu o entendo em tantos níveis diferentes que chega a ser chato. Eu teria respondido cinza, mesmo minha cor favorita sendo vermelho. Cinza pelo cansaço, pela vergonha alheia de tanta coisa, pela conjuntura política, pela falta de grana, por tudo. O que me consola é que cinza combina com praticamente qualquer cor.
Aí, claro, como a minha cabeça não é das entidades mais lineares do mundo, imediatamente lembrei do Andrea Mantegna e suas peles cor de cinza. Lembrei daquele Cristo com os pés no primeiro plano (Lamentação sobre o Cristo Morto, c. 1475-1478) e fiquei imaginando os culhões de ferro que esse cara tinha para fazer um Cristo que se vê primeiro a partir da sola do pé. Lembrei de uma das primeiras palestras que assisti no MASP, sobre o São Jerônimo Penitente no Deserto (1448-1451), dele. Tudo bem, vocês já sabem que eu gosto de umas velharias, mas cara, Mantegna é sensacional. Lembro que o que mais me impressionou foi a fila no vão livre do MASP, dando voltas e mais voltas, num sábado de manhã de sol, um calor dos infernos e o povo lá de pé, sem cadeira ou café, esperando para ver uma palestra sobre o São Jerônimo penitente no deserto. Tinha gente sentada no chão do auditório. Eu, recém-chegada em São Paulo, fiquei muito impressionada que a) existiam programas interessantes para fazer na cidade mesmo em um sábado de sol e, b) existiam pessoas que iam a esses programas interessantes.
Acho difícil que seja coincidência que o aumento do ódio social e a diminuição da oferta de programas assim tenham ocorrido mais ou menos na mesma época. Não saberia dizer quem é o ovo e quem é a galinha, mas na coincidência eu não acredito.
Voltando ao post do Tuca, percebo o quanto a realidade faz menos sentido que a ficção. Friedrich Nietzsche estava certo: Temos a arte para não morrer da verdade.
Publicado no portal Vida Breve em 13 de novembro de 2017.