Fiquei internada por 3 dias em um hospital. Mediram a minha pressão umas oitocentas vezes, sem sacanagem. Lá pelas tantas, acho que esqueceram de mim. Ou desistiram. Ou se entediaram. Eu tenho todas – I mean TODAS – as zicas do mundo menos problemas de pressão. Dá sempre 12/8, 11/7, 12/7… Não sai disso. Deve ser entediante para a enfermagem. Imagino a pessoa que segue uma carreira dessas, deve ter visto todos aqueles filmes emocionantes de salvar vidas, do último minuto, da tensão, do inesperado. Uma pessoa dessas é uma junkie, vai atrás de adrenalina. Pensa que me engana com essa pose de profissão séria? Bah. Que bobagem. Área da saúde ou paraquedista no Iraque dá na mesma. Aí chego eu. Esse tédio em pessoa. Nada acontece. A pressão não varia, nem de posição eu mudo muito. Só vou escorregando na cama.
Aliás, um parágrafo aqui especial para a cama. Dobra a perna, levanta a cabeceira… Se fizer massagem e servir um cafézinho também, é amor.
Sim, é claro que eu estou aqui brincando porque o caso não é sério. Total respeito e solidariedade para quem está passando dificuldades reais nessa área. Entretanto, essa é uma coluna de crônicas. Portanto, uma ode ao ego do cronista. Sou dessas.
Então, estava eu lá, com uns quarenta pontos na barriga sem poder tossir, rir, espirrar, gritar, virar, deitar de bruços, deitar de lado, existir. Eis que chega meu filho. O que o pequeno demônio faz? Conta piada. Criei com tanto carinho e amor, vejam vocês.
O médico me colocou em dieta líquida. Achei melhor não contar para ele que obriguei o meu filho a contrabandear copos e mais copos de café espresso para o quarto. É líquido, não me enche o saco.
Quando saí da dieta do café, digo, da dieta líquida, tive saudades da gelatina amarela sabor amarelo consistência amarelo forma amarela vontade de viver amarela. Engoli algo que, com um pouco de boa vontade, dá até para chamar de comida.
A senhora quer contratar internet? Ô minha filha, é isso ou me entreter matando as outras pessoas desse andar, respondi com cara séria. A moça ficou com aquela dúvida entre ter medo e chamar os seguranças ou rir amarelo que nem a gelatina. Ela optou pela gelatina. Ela era toda uma grande gelatina. Entrava no quarto às quatro da manhã falando “soninho ehm” com voz de gelatina. Companheira, às quatro da manhã ou eu estou dormindo ou eu estou fazendo sexo e vocês me colocaram numa cama de solteiro. Não, não respondi isso. Só fiquei com vontade. Também não respondi o que acho da infantilização desnecessária. Ou do que acho dessa pseudonecessidade de contato humano. Você quer mesmo conversar comigo às quatro da manhã? Mesmo? Miguxa, não converso com gelatinas. Tenho horror a pessoas gelatina. Você certamente conhece uma gelatina. Aquela mulher boazinha que chega com voz mansinha falando devagarzinho com cuidadinho sendo educadinha só para fazer aquela coisinha rapidinho. Mêu, só matando. Eu sou um anjo, não sei do que vocês estão falando.
Publicado no portal Vida Breve em 19 de junho de 2017.