Tenho uma teoria de que nos definimos pelas coisas inúteis que fazemos. Nada desse negócio de profissão, por exemplo. Ou gênero, ou função familiar. Essas, mesmo quando escolhas, são responsabilidades que assumimos e, a partir desse momento, se ressignificam.
Nós somos aquilo de mais inútil, idiota, sem sentido e sem propósito em nossas vidas. Eu, por exemplo, tenho como principais atividades inúteis a costura e as plantas. Faço ambas muito mal. Além disso, não servem para nada. Não ganho dinheiro com elas, não as publico em nenhum lugar, não são projetos pessoais, nada. São o mais absoluto nada.
E é nesse momento, sem a preocupação do sucesso, da aceitação, da aprovação ou do retorno (financeiro, afetivo, tanto faz), que podemos ser nós mesmos.
Tudo que costuro fica torto. Não aquele torto imperceptível que só o olho da costureira percebe. Não, não. Torto de verdade. Torto como a vida.
As plantas que gosto de ter não são perenes. São sempre temperos como coentro, nirá ou pimentas. O que, claro, pode explicar a vida curta delas. Ou, por outro lado, se faço essa escolha para autojustificar a necessidade de novos plantios, cabe ao meu terapeuta responder.
De onde concluo que eu sou, no nível mais básico do ser humano, incompetente.
O que me lembra do poema do Mário de Sá-Carneiro:
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Não somos uma coisa só e estabelecemos nossa identidade na interface com o outro. Isso é puro Freud. E é lindo.
Essa interface com o outro, muitas vezes, passa pela categorização. “O que você faz?” é uma pergunta que espera como resposta algo que garanta o seu sustento. As pessoas normalmente não esperam que você diga “escuto música”. O fazer é associado ao dinheiro, não ao prazer. E, claro, menos ainda ao inútil.
A neurociência fala sobre a necessidade do sono e do ócio. O cérebro precisa esquecer para poder lembrar. Essas coisas que você já viu grudado em memes de autoajuda e que aquela sua tia conectada manda no grupo da família. Isso, entretanto, não me interessa. Falo aqui de atividades – e, portanto, não de descanso – que não sirvam para absolutamente nada.
Há um quê de revolucionário nisso. O capitalismo faz com que todo o nosso tempo “sirva” para alguma coisa. Ou estamos produzindo algo para alguém, mesmo que esse alguém seja você mesmo, ou estamos consumindo algo. Então, o tempo que você gasta na Netflix ou no Youtube não é seu, pertence à indústria cultural e faz parte da máquina capitalista. Já o tempo que você passa olhando para o teto, sem produzir ou consumir, é só seu. Olhar para o teto é libertador.
Seguindo o mesmo raciocínio, de uma forma um pouco mais branda, fazer algo inútil é, também, se retirar do sistema. O leitor dirá, com razão, que eu comprei o vasinho ou a máquina de costura e que, portanto, ainda estou inserida no contexto capitalista. Em minha defesa, respondo que, ao fazer algo essencialmente inútil, quebro o ciclo, quebro a corrente. Sou, em minha inutilidade, rebelde.
Agora você já sabe. Próxima vez que alguém te perguntar para que serve algo que você quer fazer só porque sim, responda: para mudar o mundo!