Minha mente e eu muitas vezes discordamos do que é prioritário. Eu aqui, cheia de trabalhos para entregar e a desgraçada pensando em florzinhas.
Não, la vie não é en rose mesmo, nem por um instante, acorda ô jungette (lê-se iunguétchi posto que sou carioca).
Se bem que, considerando que as flores nada mais são do que o órgão reprodutivo das plantas, talvez não seja Jung a referência mais apropriada.
O Freud em mim saúda o Freud em você.
As flores são relativamente novas na história da evolução. Surgiram há 140 milhões de anos. Antes disso, só tínhamos samambaias e árvores.
Lembro da famosa fotografia Flower power, tirada pelo fotojornalista Bernie Boston durante um protesto pacifista contra a Guerra do Vietnã, em Washington no dia 22 de outubro de 1967. Meu lado hippie que às vezes floresce, com trocadilhos, agradece.
Me pergunto se todas as flores são fractais. Os prazos mordendo meu calcanhar e vou googlar sobre flores e fractais. Gosto de viver perigosamente.
Coloco Cartola para tocar. Bate outra vez com esperanças o meu coração.
No século 19, botões de rosas eram usados como uma linguagem codificada. A quantidade de botões entregues à amada tinha um significado específico. 100 botões significavam “Sexo?”. Hoje em dia, basta um emoji bem-humorado.
Vou falar pro namorado “vejo flores em você”. Assim, sem contexto algum. Ele já está acostumado.
Olho para a tatuagem de girassóis em meu braço. São um detalhe de um dos quadros no tema, do van Gogh. Me pergunto se o Vincent sabia dessas coisas. E, como um moto contínuo, me pergunto se importa. Não, não importa.
A única coisa que importa é conseguir olhar para a flor e enxergar além. É ver o sexo, a pincelada, o poema, a música.
Um bibliotecário francês chamado Édouard-Léon Scott de Martinville registrou (1857), em um papel, as ondas sonoras dele cantando Au clair de la lune. O que eu acho mais legal nessa história é que o bibliotecário queria “fotografar” o som das palavras. Ou seja, era uma busca pela imagem do som. Ele não estava minimamente interessado no áudio do som.
Se você olha para um quadro do Monet e vê florzinhas, olhe de novo. Uma obra como Los nenúfares (1904) existe para que a gente possa escutar o barulho da água no vento, sentir o cheiro das plantas e, assim como o pintor, permitir que o brilho da luz nos ofusque a clareza da imagem.
Da mesma forma, música a gente escuta com a pele.
Levei muito tempo para compreender isso. A maturidade me trouxe a certeza da minha burrice.
Mario Quintana, no maravilhoso Seiscentos e sessenta e seis, diz “E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”. Ainda não tenho 60 mas tenho em mim a sensação de agora, para mim também, é tarde demais para ser reprovada.
Sigo em frente.
Crônica publicada no Rascunho em 14/04/2022