Crônica "No sucesso e no fracasso", publicada no Rascunho em 08/12/2022. Ilustração: Thiago Lucas. https://rascunho.com.br/liberado/no-sucesso-e-no-fracasso/ Crônica "No sucesso e no fracasso", publicada no Rascunho em 08/12/2022. Ilustração: Thiago Lucas. https://rascunho.com.br/liberado/no-sucesso-e-no-fracasso/

Estou praticamente de férias. Pela primeira vez em muitos, muitos anos, férias não significam “trabalhar em outra coisa”. Nem sei o que fazer com o tempo livre. Não tenho nem roupa, como diz o meme. Mentira, tenho, chama-se pijama. Então vocês já sabem. Se virem por aí uma louca de pijama, na rua, passeando com uma vira-latas preta que late para todo e qualquer pombo, parem para dar um oi.

Época de Copa do Mundo é sempre essa cacofonia urbana. Não desgosto. Chego quase a gostar.

Nina Simone, a justiceira incompreendida que, anotem aí, um dia irá erradicar os pombos da face da Terra, não dá a mínima para fogos de artifício. Ou seja, deve ser meio surdinha a coitada. Mas deixo aqui o meu apoio à lei que proíbe os fogos de artifício com estampido.

Procrastin… Digo, treinando para as férias, descubro o tuíte da autora Chelsea Banning, triste, contando que apenas duas pessoas apareceram no lançamento de seu livro. Ela diz: “Only 2 people came to my author signing yesterday, so I was pretty bummed about it. Especially as 37 people responded ‘going’ to the event. Kind of upset, honestly, and a little embarrassed.”

Neil Gaiman e Margaret Atwood responderam, dizendo que isso já aconteceu com eles.

Margaret E. Atwood escreve: “Join the club. I did a signing to which Nobody came, except a guy who wanted to buy some Scotch tape and thought I was the help.”

Neil Gaiman escreve: “Terry Pratchett and I did a signing in Manhattan for Good Omens that nobody came to at all. So you are two up on us.”

Fazer uma noite de autógrafos e não aparecer ninguém é um pesadelo recorrente de qualquer escritor. Se você gosta de alguém que está lançando um livro, vá. Mesmo que não tenha grana, mesmo que não vá comprar o livro, mesmo que não goste do assunto, vá. Dá um abraço. A gente precisa. Mesmo.

Gaiman e Atwood são pessoas gigantes, capazes dessa gentileza, dessa generosidade. Eu vou para sempre guardar essas respostas no coração, tanto para quando eu fracassar quanto para quando eu fizer sucesso.

Não acho que casamentos deveriam ser “na saúde e na doença”. Todo mundo é um pouco doente. E se não está, vai ficar. Casamentos, parcerias, sociedades, amizades e criar filho deveriam ser “no sucesso e no fracasso”.

Volto para a pintura. Tinta a óleo é lenta, como eu. Nós três, tinta a óleo, Nina e eu, nos permitimos tomar um café e olhar a janela por um bom tempo. Nina já compreendeu que de manhã, enquanto a humana estiver segurando uma caneca de café e olhando atentamente para o nada, ela deve aguardar. Aos poucos, entende que esse é um fenômeno associado à caneca, que pode acontecer várias vezes no dia. Nina tenta comer um pincel. Felizmente, desiste. Deita do meu lado. A tinta espera, a cachorra dorme e minha cabeça melhora.

No sucesso e no fracasso, a tinta a óleo olha para mim.

Crônica publicada no Rascunho em 08/12/2022