Herdei a distração da minha mãe. Com alguns agravantes: a distração do meu pai, a distração do meu irmão, a distração de todos os meus amigos mais próximos. E deixo um pesado legado ao meu filho que, aos quase-16, já demonstra honrar a tradição familiar.
Algumas histórias tornaram-se folclóricas na família. Começo contando duas, mas de repente vira uma série (material tem de sobra).
“Mãe, cuidado com o elefante.”
“Que elefante?”
O diálogo é real. Estávamos nos Estados Unidos – morávamos lá na época – e uma dessas parades que os gringos gostam de fazer vinha caminhando pela rua onde minha mãe estava, bem no meio do asfalto, olhando para cima, observando um passarinho. Então, não era apenas um elefante, o que já seria bem grave. Era um elefante, uma banda, aquelas moças de saias curtas jogando bastões para o ar e um líder trompetista.
Em defesa da minha mãe, era realmente um passarinho muito bonito.
Na quadra onde moro, aqui em São Paulo, tem uma galeria com lojas pequenas de qualidade duvidosa. Uma delas vende batatas fritas. Nunca nem provei, mas até agora, entretanto, a minha observação da relação inversamente proporcional entre a qualidade da comida e a quantidade de frequentadores adolescentes tem se provado verídica.
Então, a loja de batatas fritas contratou uma pessoa para vestir uma fantasia de batata frita de quase 3 metros de altura e ficar dançando na porta da loja. Passo por lá, sem exagero, umas 8 a 10 vezes por dia. Lá pelas tantas, meu filho me pergunta: viu, mãe? Viu o quê? O homem batata? Tá doido, filho? Olha para trás. Como assim, isso sempre esteve aí? Desde que a loja abriu, mãe, uns 6 meses atrás.
Era uma batata frita dançante, amarela, de quase 3 metros de altura, no meio da calçada. E eu não vi.
Batata, elefante, tanto faz. A gente não enxerga nada mesmo.
Publicado no portal Vida Breve em 17 de julho de 2017.