E eis que, finalmente, aconteceu. Minhas olheiras não apenas chegam antes de mim aos lugares como se tornaram público-alvo do mercado de colchões. As divas da Ortobom. As gostosas da Copel. As musas da Sonobom. Porta-bandeiras viscoelásticas, tecnologia da NASA. Passo no shopping, ao lado de, fácil, umas 30 pessoas. Quem o vendedor de colchões começa a perseguir? Eu, claro. Não o culpo. Faria o mesmo. Tenho até amigos que são, essas coisas.
O mais triste é que nem dá pra fazer a piadinha de ser “boa de cama”. Basta olhar pra minha cara e perceber que a cama e eu não somos tão íntimas assim.
Fui ao shopping comprar outra coisa, mas aproveitei para procurar um chaveiro. O objeto, não o profissional. Eu tinha um de tecido, uma sardinha que trouxe de Lisboa quando fui a um congresso por lá. Ela faleceu por tempo de serviço, coitada. Existem apenas os chaveiros infantis e os masculinos. Nada além disso. Aparentemente, mulher não abre porta. Oi, século 13, tudo bem com você? Maior brisa esse lance aí do sabão, né? E os óculos, então, menina, que fita!
Continuo sem chaveiro. Vou acabar fazendo um. E é assim que começam os meus hobbies. Todos eles.
Comecei a costurar por achar um absurdo o preço de uma saia. Já fiz bolsas, calça, blusa, porta-um-monte-de-coisa e até agora nada de saia. Saia é difícil e talvez valha o preço cobrado, afinal de contas, quem diria.
Comecei a plantar coentro porque queria fresco e fácil.
Comecei a fazer pão em casa porque o glutamato estava me fazendo mal.
A necessidade é a mãe da invenção, já dizia Platão. Ou, no meu caso, a necessidade é a mãe da procrastinação porque cá estou eu pensando em como fazer o meu chaveiro quando devia mesmo era estar trabalhando.
Há, atualmente, um complô do universo em colocar todos os prazos na mesma semana. Se eu sobreviver, em compensação, terei a semana seguinte com folga o suficiente até para ir ao cinema. Do jeito que estou exausta, acho que vou ver o último do Liam Neeson no papel de Liam Neeson, para não ter que raciocinar muito. Esse negócio de pensar cansa muito.
Começa a sessão com alunos e me vejo na câmera. Chego a me assustar, mas aí lembro do quanto tenho dormido. Dou razão ao vendedor de colchões. Se eu trabalhasse com isso, também tentaria me vender algo. A próxima cena é uma daquelas de perseguição às bruxas na Idade Média, com uma enorme fila de vendedores de colchão, médicos do Instituto do Sono, representantes farmacêuticos, massoterapeutas e instaladores de proteção acústica atrás de mim. E eu lá, driblando todos ao me esconder em cada um dos cafés que encontrar.
E não, engraçadinho, uma coisa não tem relação com a outra porque já passei três anos da minha vida só tomando descafeinado e dormia mal do mesmo jeito.
Minha mãe sempre dizia que de tédio ela não ia morrer, porque tinha um filho que não comia e uma filha que não dormia. Isso era mais engraçado na época, em que nem todo brasileiro estava estressado e, bem, vamos combinar, basicamente doido.
Vai passar. Dois de outubro já está chegando.
Crônica publicada no Rascunho em 24/03/2022