Hoje, dia 23 de outubro de 2017, enquanto você lê essa crônica, eu estou sofrendo. Fui chamada para falar da minha trajetória profissional. À primeira vista, me pareceu fácil. Poxa, eu conheço a minha história. Eu vivi a minha história. No entanto, estou tem mais ou menos uns 30 dias tentando encontrar subterfúgios para não falar de mim mesma. Muito sofrido esse negócio.
Como será que vivem os egocêntricos? Do que se alimentam? Como reproduzem? Descubra no especial do Discovery Chan… Não, pera.
É sério, gente. O sofrimento é real.
Até agora, antevéspera da palestra, eu tenho exatos 4 telas do powerpoint. Uma delas é o título. Outra é um vídeo. A terceira é uma estrofe do vídeo. A quarta são umas fotos do meu primeiro artigo publicado, sobre a morte, nos Cadernos da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Escrito quando eu tinha 12, publicado quando eu tinha 13 anos de idade (os dinossauros ainda andavam sobre a Terra). Ou seja, é uma bobagem de criança que guardo por um saudosismo idiota.
Lembram quando surgiu o powerpoint? Era uma ferramenta que servia, basicamente, para tias velhas recém-chegadas ao email enviarem apresentações piscantes com mensagens bregas. Ou talvez você tenha parentes mais descolados que os meus, não sei. Então, pensei em fazer um desses, com fotos da Fiona (cachorra) e da Eva (gata). É certeza de sucesso, elas são fofíssimas. Talvez, entretanto, não tenha sido com esse objetivo que gentilmente me concederam 90 minutos.
Pensei em falar assim: “Eu sempre fiz o que quis e isso me custou muito; a gente paga um preço alto por fazer o que quer e paga um preço ainda mais alto por fazer o que não quer; sejam felizes que a vida é curta.” O problema é que isso não preenche os 90 minutos que gentilmente me concederam.
Cogitei tecer uma narrativa pelos meus erros. O problema é que isso não cabe nos 90 minutos que gentilmente me concederam.
Quando comecei a dar aulas (tipo ontem), tomei uma decisão. Como sempre opto pela honestidade, decidi dar a aula e a avaliação que eu acredito que devem ser dadas. E eu acredito que lecionar é algo que se faz com o cérebro e com o coração, não com o cérebro e com o taxímetro. Se eu sobreviver, ótimo.
Decidi, portanto, pelo único caminho digno que me restava: falar sobre qualquer coisa exceto sobre o que me pediram.
Publicado no portal Vida Breve em 23 de outubro de 2017.