Finalmente aconteceu. A idade alcançou a crise e agora posso colocar a culpa da minha inquietude crônica, perene e ancestral na meia-idade.
Saltei de paraquedas. Saltamos. O estopim dessa insanidade foi o namorado. Qualquer coisa, coloco a culpa nele, é bem prático. A expressão “não dá ideia”, comigo, assume sempre um tom de aviso sincero.
A empresa que promove os saltos fica em Boituva.
Sim, o mesmo lugar que teve um acidente terrível recentemente.
Namorado avisa: “Olha, o acidente…”. Respondo com o coração aberto e dolorido: “Que coisa terrível”. Já o meu cérebro, que não merece a proteína que recebe, pensa que, estatisticamente, agora as chances de sofrermos algum problema são ainda menores.
Em um belíssimo sábado ensolarado de inverno, pegamos o carro e fomos.
Eles te dão um macacão para vestir e uma explicação que dura 80 segundos. Em seguida, te enfiam dentro de um avião.
Mil piadinhas do tipo: “É a sua primeira vez? A minha também!”. O objetivo, claro, é para relaxar e deixar os frangos que serão arremessados do avião mais tranquilos. Eu não rio. Não por nervosismo, mas por não achar graça mesmo. O instrutor acha que estou tensa e começa a falar comigo bem devagar e baixo, como abordamos um gato acuado. Prudente, o rapaz.
O teco-teco (não dá para chamar aquilo de avião) subindo em espiral e eu lá de boas.
O instrutor me prende completamente a ele, mil ganchos, cordas, amarras, o kit Shibari completo e eu lá de boas.
Chegamos em 12 mil pés de altura — aproximadamente 4 quilômetros — e eu lá de boas.
Abrem a portinha de acrílico do teco-teco e eu lá de boas.
Nos arrastamos até o vão aberto da cof cof aeronave e eu lá de boas.
O salto. O salto no vazio, no ar, para o nada, em um ato de fé. Quatro quilômetros de fé. Lembro que sou ateia. E eu lá de boas.
A queda livre, aquela de fazer a gente parecer um cão labrador com a cabeça para fora da janela, as peles todas fazendo flop flop, em uma lembrança muito concreta da velhice galopante e eu lá de boas.
Abre o paraquedas. O puxão nos lembra pra que mesmo temos costelas e o pulmão sobrevive. E eu lá de boas.
É tudo lindo.
Quem olha acha que fiz isso a vida inteira.
Chegamos perto do chão e entro em pânico. Meu deus, vou morrer.
A proximidade do chão é de uma concretude apavorante.
Nem mesmo senti a chegada de volta ao planeta. A gente cai de bunda. É tipo um skibunda.
Ainda assim, eu tremia feito vara verde.
Não morri, aparentemente.
Pronto, saltei de paraquedas, check na listinha para nunca mais.
Agora quero andar de balão. O Júlio Verne em mim saúda o Júlio Verne em você.
Se alguém perguntar, digo que são coisas da idade.
Crônica publicada no Rascunho em 26/05/2022