Crônica "Ruim da cabeça" publicada no Rascunho em 16/02/2023. Ilustração João Verderame. https://rascunho.com.br/liberado/ruim-da-cabeca/

Em uma tentativa de permanecer viva por mais tempo, tomei vergonha na cara e uma atitude para ser menos sedentária. Agora eu faço pilates. Me tornei uma dessas pessoas que cuidam da saúde. Quem te viu, quem te vê, Carolina. E tudo, absolutamente tudo, dói. O meu cabelo dói. Bem que suspeitei que esse negócio fitness era um esquema de pirâmide para vender analgésico e anti-inflamatório.

Ando devagar, com dor. Nina reclama, quer ir mais rápido. Nesse ritmo vamos perder aquele outro cachorro ali que nós absolutamente pre-ci-sa-mos cheirar. E o pombo fugiu. Assim não dá.

A lerdeza associada à preguiça faz com que eu arrume uma desculpa para sentar num boteco do caminho. Peço o trigésimo café do dia e um pão de queijo, que divido com Nina. Quase conformada com essa humana não muito ágil que ela arrumou para si, Nina deita no chão ao meu lado.

No shuffle, o Spotify toca Cantador, da Nana Caymmi. A música é lindíssima, mas “eu canto a dor de uma vida perdida sem amor” é algo que não me representa em absoluto. Amo e não desperdiço a vida que tenho. Portanto, exercício, dieta, essas coisas horríveis. É um pequeno ônus para um grande bônus.

Não gosto de desperdícios. De vida, de afetos, de energia.

Em conversa com um amigo querido, falamos sobre o não-falar, sobre a falsidade que jaz no silêncio quando há algo a ser dito. Rapidamente chegamos na impossibilidade da neutralidade.

É muito comum que boas pessoas não se posicionem frente ao mundo, perseguindo uma aceitação mais ampla. Isso serve para questões profissionais, políticas, sociais, artísticas, pessoais, tanto faz. É o sujeito que não debate algo mesmo tendo uma opinião a emitir. Debater é muito, muito diferente de desrespeitar, só lembrando.

Volto ao meu amigo. Para ele, assim como para mim, conversar é um ato de generosidade. É mostrar suas fraquezas, abrir a ferida, dar a possibilidade de fala ao outro. Talvez por isso, para nós dois, conversar seja uma forma de abraço.

Sigo andando pela rua. Seguimos, Nina e eu, refletindo sobre os amigos que tenho, sobre a qualidade dessas relações e me dou um tapinha nas costas. Se tem uma coisa que eu fiz bem nessa vida foi filho e amigos.

Por aqui, estamos em plena época de bloquinhos. Apesar de adorar samba — como, acredito, já demonstrado nesse espaço em diversas ocasiões —, não sou muito fã de aglomerações, carnavalescas ou não. A pandemia só agravou a minha aversão a essas iniciativas. Talvez seja ruim da cabeça, vai saber.

Passa um carnavalesco fantasiado e Nina fica muito, muito confusa.

Não a culpo.

Crônica publicada no Rascunho em 16/02/2023