Sempre faço a mesma apresentação a turmas novas de alunos:
Meu nome é Carolina Vigna. Escreve vê í gê êne á, se fala vinha, como em champignon e champagne. Fiz um bacharelado em Artes, depois a licenciatura em Artes, aí fiz uma pós em História da Arte, depois mestrado e doutorado em Educação, Arte e História da Cultura. E, como eu acredito que coerência seja uma coisa muito importante na vida, estou terminando um pós-doc em Letras.
Normalmente a turma ri e pronto, posso seguir para o conteúdo programático, encerrando esse momento sempre um pouco constrangedor.
Outro dia uma aluna tentou me corrigir. Respondeu “a senhora (sic) quis dizer ‘incoerência’”.
A geração TikTok é de uma literalidade desconcertante, é uma coisa impressionante.
De agora em diante, colocarei um adendo à minha fala de abertura.
(…) E, como eu acredito que coerência seja uma coisa muito importante na vida, estou terminando um pós-doc em Letras. Coerência se soletra i, r, o, n, i, a: coerência.
A resposta não me ocorreu na hora mas será incluída profilaticamente doravante. Adoro a palavra doravante, uso sempre que consigo encaixar no contexto. Às vezes, confesso, altero o contexto só para enfiar doravante na frase.
Lembro do maravilhoso Au pied de la lettre, do Didier Barret (YIL édition, 2017) e que os franceses também usam “ao pé da letra”. E, como minha cabeça é um trem descarrilhado, lembro – ironicamente – do espírito da escada (L’esprit de l’escalier), uma expressão para quando a gente só pensa na resposta depois de ter ido embora. Gosto do humor francês.
Na rua, um pincher vestido com uma roupinha de frio com barbatanas de tubarão nas costas. Eu acho engraçado; Nina Simone, não. Ela me olha com desconfiança. Rosna para o pincher. Ela é de poucas nuances e tem um humor nada francês.
Temos, em família, uma piada recorrente que é responder uma pergunta com “Tout va très bien, madame la marquise”. A frase intitula e é refrão de uma música de 1935, de Paul Misraki. Fez um enorme sucesso com a gravação de Ray Ventura et ses collégiens, do mesmo ano. A musiquinha chiclete é um desastre após o outro.
Em família, a piada já virou até caneca.
Certa feita, quando me perguntaram como ia um projeto meu, respondi no automático tout va très bien, madame la marquise. Para minha surpresa, meu interlocutor não apenas conhecia a música como pegou a piada.
Eu ando em uma bolha muito, muito específica.
Crônica publicada no Rascunho em 20/10/2022