Crônica "A mulher do vidraceiro", publicada no Rascunho em 01/08/2024. Ilustração: Marcelo Frazão. https://rascunho.com.br/cronistas/carolina-vigna/a-mulher-do-vidraceiro/

Chegam o vidraceiro e a mulher do vidraceiro. Sorri e diz que, de final de semana, ajuda o marido. O vidraceiro começa a medir tudo e ela, com uma régua, vai desenhando e anotando. Fica perfeito. Papo vai, papo vem, é estudante de Biomedicina e filha de professor de matemática. É um casal doce entre eles e com o mundo. Não têm filhos ainda. São jovens, bem jovens.

A moça, lindíssima, gosta de tudo. De cachorro, de gato, de criança, de livro, de vidro, de ajudar o marido. Ela tem aquela luz atrás dos olhos de quem vai engolir o mundo.

A mulher do vidraceiro conta histórias do pai professor. Diz que quase foi para as Exatas e que adora matemática. Faz um carinho na Nina.

Nina Simone gosta deles, o que é sempre um bom sinal.

Aprovo o orçamento, essas coisas.

Voltam na outra semana o vidraceiro e um rapaz. Pergunto pela mulher. Precisou ficar de babá do filho pequeno do ajudante do vidraceiro. A mulher ausente nesse quarteto dá plantão de sábado e normalmente é ele quem fica com o menino.

Vejo fotos do bebê, cópia do jovem pai orgulhoso.

Nina e eu gostamos dessas pessoas.

A ideia de um homem enorme que carrega vidros blindex escada acima ficar todo sábado em casa para cuidar de bebê me restaura um pouco a fé na humanidade.

O serviço fica impecável, quebrando a sequência de mais de cinco décadas de azar com prestadores de serviço da construção civil.

Ao entregar, olham para a estante de livros. A pergunta é sempre a mesma. Você já leu todos esses livros? Não respondo que representam uma ínfima parcela do que já li na vida. Apesar de ser verdade, não sou esse tipo de idiota. Apenas aceno a cabeça afirmativamente.

Puxo do portfólio um Isabel e dou para o jovem pai. É cedo, eu digo, mas guarda. Pergunto o nome do bebê. Faço uma dedicatória.

Ele se emociona. Diz que só leu um livro na vida. Não pergunto qual. Deixo o silêncio na sala.

Ele folheia o livro. Levanta os olhos e diz que o filho vai ler muito. Que aprendeu com a mulher do vidraceiro, sabe que é importante. Ela é filha de professor, me diz como se eu não soubesse. Que ela enche o saco dele para estudar. E me pergunta como pegar o hábito de ler.

Perguntei do que ele gostava. Depois de uma rápida anamnese, saiu daqui com o meu exemplar de Os três mosqueteiros. Contei um pouco sobre quem foi Alexandre Dumas. Pareceu interessado.

Passam duas semanas.

A mulher do vidraceiro me manda um whats, para contar que os quatro amigos leram o livro e gostaram muito. Pergunta se eu tinha outras indicações.

Quase chorei.

 

Crônica publicada no Rascunho em 01/08/2024. Ilustração: Marcelo Frazão.