Depois de muito tempo afastada do Instagram, voltei por conta de um convite do prof. Ronaldo Mathias, para fazer uma live na semana da Licenciatura em Artes da Belas Artes.

Foi um certo desafio, já que eu saí do Instagram antes das lives e essa foi a primeira que fiz na vida. Ou seja, foi muito aos trancos e barrancos e muita coisa precisa ser corrigida e aprendida para as próximas.

O que eu tinha para falar, como eu ainda sou eu, escrevi em um texto para não me perder.

O texto:

Enquanto esperamos o pessoal entrar, vou me apresentar. Meu nome é Carolina Vigna e eu sou cria da casa. Me formei na Belas Artes, em Artes Visuais e cursei a pós em História da Arte, onde hoje eu leciono Arte Clássica. Depois disso, fiz mestrado e doutorado em Educação, Arte e História da Cultura. Tenho alguns livros e artigos publicados. Sou ilustradora e artista visual. Minha última exposição individual foi em agosto de 2019. Sou também professora na graduação em Publicidade e Propaganda do Mackenzie, onde leciono atualmente Linguagem Visual e Processos Gráficos.

Eu tinha saído do Instagram antes das lives. Só voltei por causa de vocês, por causa dessa live de hoje. Apesar de estar bem acostumada tanto com vídeo quanto com EAD, estou enferrujada na plataforma. Então, vou fazer o que não se deve fazer nunca: eu vou ler. (eu não li)

Vou fazer uma live de trás pra frente.

Começo com a conclusão.

A conclusão é de que a tecnologia nunca pode ser a protagonista, mas é uma ferramenta poderosa e precisa ser entendida assim.

Conclusão meio óbvia, né? É quase dizer que é contra a corrupção ou que cada ser humano é único.

Mas às vezes aquilo que é clichê tem um motivo de ser. Vamos lá.

Essa live, por exemplo. A semana da licenciatura em artes da Belas Artes está sendo realizada por lives porque estamos no meio de uma quarentena, no meio de uma pandemia mundial. Ou seja, é uma ferramenta e não o principal atrativo.

O que importa é o que é dito, como é dito, para quem é dito. O onde, não. Se o que eu tenho para dizer não é bom presencialmente, não será online. E vice-versa.

O mesmo vale para a sua aula. Se é uma boa aula, será uma boa aula presencial, à distância ou mista.

Uma boa forma de demonstrar isso é através das versões diferentes de um mesmo personagem. Se o personagem é bom, tem uma voz, ele vai funcionar com leituras diferentes. Por exemplo, vamos pegar O Coringa do Joaquin Phoenix.

O filme tem problemas muito sérios de como trata a mulher, especialmente a mulher negra. Sobre esse assunto, recomendo o artigo no site Geledés e o vídeo “De onde vem a violência do novo Coringa?”, do canal Quadro em Branco no youtube.

Nesse momento eu vou ficar só na questão da interpretação do Joaquin Phoenix. Por que é boa? E sim, é. É uma boa interpretação porque permite que o personagem tenha profundidade, nuances e emoções sem com isso perder a identidade.

Nós entendemos e reconhecemos O Coringa em desenho, bonequinho de Lego, em animação, com o Joaquin Phoenix ou com o Jack Nicholson. O personagem tem uma identidade, uma voz.

Podemos falar o mesmo de um conteúdo a ser passado. Se esse conteúdo é bom, ou seja, se a identidade da sua aula for boa, o seu aluno vai se relacionar com ela onde for, em qualquer ambiente.

Cabe aqui a distinção entre aulas à distância por vídeo e o EAD. Uma aula transmitida em vídeo, síncrona, obrigando o aluno a estar online na mesma hora em que a aula é transmitida, é apenas uma das muitas possibilidades do conjunto de ações que configura o EAD. A videoconferencia é útil porque, assim como essa live, permite a interação com quem está assistindo, possibilitando o ajuste do conteúdo de acordo com a necessidade, a curiosidade ou o desejo do seu interlocutor. E possui a desvantagem de não permitir a liberdade de horário ao aluno. A videoconferencia é apenas uma das muitas ferramentas do EAD. Não são sinônimos.

Há uma infinidade de possibilidades de expor e de aferir o conhecimento via EAD. De uma forma geral, a minha recomendação é estimular o máximo de inteligências cognitivas possível. Use youtube, links, memes, textos, ebooks, podcasts, tudo o que estiver ao seu alcance.

É um erro dos gestores de EAD querer centralizar o conteúdo em uma única plataforma ou padronizar vídeos, podcasts ou textos. É justamente da natureza do aprendizado em EAD não ser padronizado, não ser centralizado. E mais, precisa ser pessoal, individualizado, de forma que o aluno se sinta falado com e não para.

Obviamente, como em qualquer comunicação, algumas padronizações são boas. Por exemplo, essa iniciativa usou o mesmo template para divulgar todas as lives da semana. Isso é ótimo. Permite que você entenda rapidamente que essa live faz parte de um determinado conjunto, mais ou menos como capas de uma mesma coleção de livros.

Ou, ainda, que os conteúdos das disciplinas de um determinado curso tenham mais ou menos a mesma quantidade de informação. Veja: quantidade de informação não é sinônimo de qualidade e nem de quantidade de texto. Você pode e deve usar texto, vídeo, áudio, e por aí vai.

Tirando essas questões, a padronização será entendida como uma pasteurização do conteúdo. Não caia nesse erro. Se o aluno sentir em algum momento que a sua aula pode ser substituída por um verbete na wikipedia, não tenha dúvidas, ele vai para a wikipedia. Não entre em competição com a internet porque você vai perder. Use os recursos disponíveis da internet como aliados.

A atenção pulverizada e as fontes de informação múltiplas são características do tempo em que vivemos. Por que esperamos que o aluno tenha uma única forma de aprender quando nós mesmos não absorvemos conteúdo de um único jeito? Não parece, no mínimo, incoerente? O ensino precisa se adaptar. Estamos dando aulas do século 19 para alunos do século 21.

O motivo pelo qual eu acredito tanto no EAD, inclusive, é porque é uma metodologia de aprendizado que se aproxima mais da forma como nos relacionamos com o mundo hoje. Todos nós, não só esse grupo de pessoas na entidade “alunos”.

A minha crença no EAD não tem relação alguma com o dilema democratização ou empobrecimento do ensino. Eu, particularmente, acho essa discussão meio idiota.

Viver é fazer escolhas e toda escolha é uma perda. Deixamos de ter o que não escolhemos. E mais, vivemos um momento de adaptação e de mudança. E, como todo momento assim, ainda estamos descobrindo onde está a poesia. Onde está a beleza. Onde está aquilo que nos move. Isso pode ser assustador mas só será empobrecedor se a sua alma for pequena.

Por que o EAD faz sentido agora? O que ele tem de diferente do antigo Telecurso ou dos cursos por correspondência de meados do século passado? Na verdade, em termos técnicos muito pouco. Ganhamos uns links, um infográfico aqui e ali, essas coisas.

O EAD faz sentido agora porque a cognição humana mudou. Não foi a tecnologia, fomos nós. O EAD faz sentido agora porque não somos mais planos, não aprendemos mais de forma linear.

A nossa atenção – nossa como um todo, não apenas de nossos alunos – é fragmentada e percebemos um conteúdo que nos chega por múltiplas fontes como sendo mais relevante.

Por exemplo, uma notícia vista em todos os grandes jornais será percebida como mais relevante do que aquela que aparece só no Facebook de um amigo.

Por que seria diferente com as metodologias de ensino? Em sala de aula repetimos várias vezes aquilo que precisamos que o aluno registre e não esqueça. Em ambientes EAD ocorre o mesmo. Precisamos repetir o conteúdo.

Acontece que, pelas características do EAD, em que o aluno pode simplesmente dar play ou clicar novamente, não há necessidade da repetição do conteúdo no mesmo formato. Para isso, então, usamos conteúdos redundantes mas não iguais, como por exemplo um texto e um vídeo. Algum deles o aluno há de absorver.

O conceito é mais importante que a ferramenta. Não é o pincel que cria a tela. Não é o Premiere que cria o vídeo. Não é o cinzel que cria a escultura. O EAD também é apenas uma ferramenta. Quem precisa brilhar é o seu conteúdo, a sua aula, e não a plataforma.

Não deixe que a insegurança natural de todo professor te impeça, por exemplo, de citar as suas fontes. Um dos melhores e mais brilhantes professores que eu tive na vida, nosso colega aqui na Belas Artes, o professor Fernando Amed, dita até hoje o meu modelo do que eu entendo que seja uma boa aula. Uma boa aula é aquela em que o aluno termina com uma lista de livros para ler, vídeos para ver, músicas para ouvir, entusiasmado, querendo mais. E para que isso aconteça, você precisa fornecer a ele livros para ler, vídeos para ver, músicas para ouvir.

O mais difícil em ser professor é lembrar como é não saber algo, como é não saber para onde ir. O professor deixou de ser o grande portador do conhecimento. O professor é um hub para o conhecimento. Sempre mostre ao aluno as suas fontes.

Então, afinal, o que muda no EAD em termos práticos? Muda a forma como entendemos as etapas de aprendizado.

O aprendizado deixou de ser linear e se tornou uma grande colagem construtivista.

O que me leva à especificidade das artes. Lecionar arte é um eterno caminhar no gelo fino. De um lado do gelo, a necessidade da expansão do repertório do aluno.

Do outro, a possibilidade de comunicação com o aluno a partir de um repertório em comum. O que significa falar uma língua que o aluno entende e, portanto, usar o repertório que ele já possui.

É simples. Se vocês estão entendo as palavras que eu estou falando aqui é porque compreendem o idioma português. Esse é um denominador comum em nossa comunicação. As palavras carregam sentido. As imagens também. Encontramos, então a primeira grande dificuldade de lecionar artes em um ambiente EAD. As artes dependem, talvez mais do que outras áreas do conhecimento, da relação extraconteúdo.

Então ficamos eternamente nessa construção pendular que vai de usar algo que o aluno já conhece a apresentar algo novo. Até aí, acontece o mesmo em salas de aula presenciais.

As artes, de uma forma bem simplista, expressam dentro de seu enquadramento, conceitos, ideias, emoções ou questionamentos que raramente cabem nesse espaço e que, portanto, ou pertencem ou se referem a algo que está fora daquilo que se vê. Eu sei que muitas áreas do conhecimento precisam de um repertório ou de um diálogo com algo que está além do exposto, mas nas artes isso é bem mais evidente.

Em sala de aula, é fácil. Contamos com interferências e comentários processuais, onde podemos orientar o aluno enquanto ele experimenta ou instrumenta o conhecimento artístico.

O EAD, do qual sou forte entusiasta, ainda não resolveu o problema do enquanto. Vemos o exercício de construção do pensamento do aluno a posteriori, apenas quando ele envia uma tarefa realizada ou coloca uma dúvida. Não estamos presentes enquanto o aluno exercita e sedimenta o que foi passado.

A única maneira no momento, com a tecnologia que temos até agora disponível, é individualizar o atendimento e o discurso. É falar de uma pessoa para outra pessoa e não de um texto padronizado para um grupo de usuários. Aluno não é usuário da sua aula, é seu aluno e precisa ser tratado com o respeito que merece.  Assim como a sua aula é uma construção, a recepção do aluno também é.

Individualizar o ensino é cansativo. É muito mais fácil e lucrativo criar uns videoszinhos nivelados por baixo e fazer um html igual para todos, né? Claro que precisamos de uma base comum, e aí o videozinho e o html são úteis, mas não podem ser compreendidos como a totalidade do ensino e sim apenas como uma bibliografia básica que agora é clicável e às vezes tem movimento e som. Mas continua sendo uma base para o professor e para o aluno, um denominador comum a partir do qual o conhecimento pode ser construído e aprimorado.

E aqui é onde habita o grande cansaço dos professores que se dedicam ao EAD. É uma queixa comum do professor EAD que ele trabalha muito mais do que o presencial, o que é verdade. E não só o trabalho em si mas, principalmente, o atendimento ao aluno. Deixamos de atender a turmas e responder dúvidas ou sanar questões em grupos e passamos para o individual. Então, em uma turma, vamos supor de 40 alunos, o atendimento deixa de ser feito uma vez para ser feito 40 vezes.

Eu sempre dei meu whastapp para os meus alunos. Meus colegas professores costumam dizer que sou louca, que não vou ter um minuto de paz. Isso não é verdade. Os alunos sempre respeitam o meu espaço e o meu tempo. Sabe por que? Pque eu respeito o deles. Pque eu os trato como pessoas e não como um grupo disforme e távola rasa onde ó eu aqui magnífica vou despejar o meu conhecimento sobre. Não, eu trato eles como o que eles são: pessoas com quem eu dialogo.

Esse é o grande segredo do EAD.

O EAD potencializa o aprendizado e o professor. Se o professor é um pouco arrogante no presencial, será insuportável no EAD. Se o professor é humano no presencial, será amigo no EAD.

O EAD funciona como uma lente de aumento.

Seja versátil, humano. Desce do púlpito. Desce do pedestal. Qualquer posicionamento vertical, e não de igual para igual, com o aluno, desfavorece o professor. Respeito a gente conquista, não impõe. É solitário aí em cima do pedestal, não é um lugar bom. Vem pro play.

Termino então, com o começo. Quais são as possibilidades em EAD do ensino de artes para você?