Começo um projeto novo, de imagem.

Decido usar um tipo específico de lápis, para criar um determinado efeito que quero. Eu tenho esses lápis. Eu tenho herdados. Eram da minha mãe.

Abro o estojo de lata que os abriga.

Estão apontados do jeito dela.

Claro, os lápis eram dela.

Ali, no jeito de apontar o lápis, ela se faz presente mais uma vez.

Minha mãe deixava a ponta próxima de um carvão vegetal, de uma maneira propositalmente bruta para que, com o gesto da mão, conseguisse nuances de cada canto do grafite. Um traço marcado, forte, expressivo.

Como todo desenhista, também aponto meus lápis com estilete, mas costumo deixar a ponta fina porque gosto de detalhes.

Deixo a ponta fina, com bastante grafite aparente, o que faz com que o lápis fique mais frágil, mais vulnerável.

Fiquei quase uma hora travada, olhando para a caixa de lápis, estilete na mão, sem conseguir me mexer.

Penso em como isso é uma grande metáfora.

Minha mãe jamais se permitiu parecer frágil ou vulnerável e fazia questão de me vestir com essa armadura. Ou, ao menos, fazia questão de supor que eu também fosse forte.

“Carolina é forte. Carolina aguenta.”

Eu não era.

Nunca fui.

Eu sou a ponta do lápis que se quebra.

Sou, também, o lápis que sonha acordado.

Lembro do meu projeto.

Mão tremendo, suando frio, aponto o primeiro lápis.

Depois outro.

E mais outro.

De repente, a caixa agora é minha.

É minha porque o jeito como os lápis estão apontados é o meu jeito.

A ponta fina, que produz detalhes.

E que se quebra.

Um traço preciso, sofrido, justo.

E frágil.

 

Crônica publicada no Rascunho em 20/01/2022.