Crônica "A chatice de um…", publicada no Rascunho em 18/08/2022. Ilustração: Thiago Lucas. https://rascunho.com.br/liberado/a-chatice-de-um/

Na casa dos sogros, dia dos pais, um jogo de futebol. Fiquei com uma certa vergonha em contar que só me dei conta de que esse ano é de Copa do Mundo quando a minha chefe falou, em uma reunião, sobre o evento e o quanto pode afetar os dias letivos. Não entendo uma única piada de futebol. As pessoas riem à minha volta e, como existe amor e empatia, tenho vontade de rir junto mas não faço a menor ideia do que é engraçado.

História da minha vida.

Namorado se refere a um determinado ano como “o da Copa da França”. E eu lá fazendo conta na cabeça voltando 4 anos… 2018, 2014, 2010, 2006… Desisto. Não sei que ano é esse, socorro. 1998, pacientemente me explica o ômi.

Tudo o que sei de futebol: são 11 jogadores em cada time; no meio do campo tem um traço e um círculo conhecidos por “meio de campo”; a Copa acontece de 4 em 4 anos mas às vezes eu me distraio e esqueço; o sujeito com o apito é o juiz; dos jogadores, só o goleiro pode pegar a bola com as mãos; o objetivo do jogo é colocar a bola dentro das redes que ficam nas pontas do campo fazendo um gol, mas eu nunca sei quem é quem; sei também que “corner” e “escanteio” são a mesma coisa, mas não sei que coisa é essa.

Descobri que o time São Paulo mudou a camisa. Não agradou uma parte do seu público-alvo. Não sei como era antes, então… Posteriormente fui informada que muitos times mudaram as camisas oficiais. Estou feliz que eu sei o que é uma camisa oficial, já tá bom.

O editor do Rascunho, fã de futebol, deve estar tendo uma síncope emocional ao ler isso. Desculpe, Rogério.

Tudo é meio repetitivo, inclusive as coisas de que eu gosto. A gente, na realidade, escolhe qual repetição nos agrada e qual não. Qual sucessão de mesmices queremos conviver com.

Voltei à costura. Os moldes são basicamente iguais e costurar é repetir processos. Aliás, tal qual um artista do Egito Antigo, melhor costura aquele que melhor consegue repetir.

Ainda assim, apesar dessa consciência e de ter telhado de vidro, acho futebol meio chato.

A história se repete com televisão, novela, celebridades, redes sociais, a maioria das séries, influenciadores… Não é que eu pense menos desses assuntos, veja bem. Acho mesmo que a indústria do entretenimento não é o demônio de chifres que pintava Adorno, não. Vou além. Acho inclusive que são comunicações e expressões importantes e representativas do zeitgeist. É só que o vídeo ensinando a colocar bolso em saias capta mais a minha atenção, sem julgamento de valores.

Causei fúria e indignação em filho quando comentei que achei Doom meio chato. É corredor, monstrinho, outro corredor, outro monstrinho, outro corredor, outro monstrinho. Não aparece, sei lá, uma banda de rock, um tubarão, uma receita de pão, qualquer coisa. Aqui o problema é inverso. Os videogames contemporâneos são lindos e interessantíssimos. Não, não estou falando de Solitaire, pelamor, cê me respeita. Deus Hideo Kojima, cara. E, como sou fiel da Kojima Kyōkai, não aceito nada menos que isso.

Precisamos ler bons quadrinhos, jogar bons videogames, ler bons livros, ouvir boa música e escolher boas companhias.

A vida é muito curta para Candy Crush.

Crônica publicada no Rascunho em 18/08/2022