À minha frente, nos Correios, uma mulher embala cuidadosamente uma lâmpada para colocar dentro de uma caixa de Sedex que, eu ouvi, ia para o Paraná. O mundo acabando, o Brasil desgovernado, a Idade Média voltando, e a mulher envia uma lâmpada de São Paulo para o Paraná pelos Correios.

Enquanto a lâmpada está a caminho do Paraná, eu fiquei pensando qual o valor simbólico que ela tem/tinha. Porque né, vamos combinar que valor objectual não é. Certeza de que vendem-se lâmpadas no Paraná. A julgar pelo cuidado e carinho com que a mulher embalava, deve ser um valor incomensurável. Primeiro, ela enrolou a lâmpada com gaze de hospital (fica a dica), depois com plástico bolha, depois com jornal. Acomodou cuidadosamente na caixinha amarela do Sedex, pagou uma pequena fortuna e mandou, ignorando tanto a minha cara quanto a da atendente.

A gente atribui valor simbólico às coisas mais estranhas. Não é só essa mulher, não. Somos todos nós. Pensa bem que você vai achar algo que você valoriza enormemente e que, pela coisa em si, não faz o menor sentido.

Meu filho tem um casaco que o avô deu. É o casaco do avô. Ele sai em sol de 40 graus com o casaco, não estou brincando. Outro dia ele esqueceu o casaco na escola, com a carteira dentro, com RG, com tudo. Me liga desesperado, achando que tinha perdido o casaco. Eu desesperada com o RG. “Dane-se, mãe, é o casaco do meu avô.”

Não vou fazer pose aqui de desprendida, não, tenho cá meus objetos fetichizados também. Eu tenho uma caneca de café, azul com um barquinho estampado. A caneca é o que há nesse mundo de sem graça. Meus pais me deram quando eu fui fazer o meu primeiro curso de mergulho. Trouxe com o maior cuidado dos Estados Unidos e está comigo até hoje. Ainda uso, por sinal.

Quando minha mãe morreu, eu quis ficar com umas camisas que eu tinha customizado para ela. São camisas de botão e eu troquei os botões por uns bem coloridos e alegres e variados. De propósito, nenhum deles faz par com nada. Fiz assim porque eu me lembro que, quando eu era menina, ela tinha uma coleção de botões. As camisas não servem em mim, minha mãe era magrinha e alta. Não importa. No meu armário ficarão.

Então, mulher da lâmpada, eu te entendo. Ô se te entendo.

Publicado no portal Vida Breve em 06 de novembro de 2017.