Olho para quem minha mãe foi e quem meu pai é e sei exatamente de onde vem a minha dificuldade em conversar com a minha geração. A culpa é minha. Ou melhor, deles, dos meus pais. Esses dois são o exemplo de transgressão, de criatividade, de irreverência, de humanidade. Sim, me deram a ideia de uma nova consciência mas nunca ficaram em casa. Nunca os vi contando o vil metal. Nunca fomos guardados por Deus.

A minha geração ou se manteve retrógrada e reacionária como a anterior, ou precisou lutar (e muito) por sua forma de ver o mundo, de viver a vida. Eu não precisei fazer nada disso. Nasci e os conceitos de respeito e liberdade me foram entregues de bandeja. Eu simplesmente não faço ideia do que seja crescer em lar preconceituoso ou intolerante. Ou reacionário. Ou extremista. Ou fechado. Deve ser horrível.

Minha mãe ouvia Rammstein e funk da periferia (e entendia), entre outras coisas. Foi com meu pai que conheci Pink Floyd, The Who, Chico César e toda uma combinação heterogênea e boa. Muito boa. Ela gostava de arte contemporânea. Meu pai gosta de filosofia.

Dá até para compreender o colega traumatizado que acha que a arte morreu em 1900. Dá até para compreender aquele amigo que não tolera pagode. Dá até para compreender os pais que educam através da proibição. Compreendo mas não entendo.

2017, gente. Já inventaram a internet, o celular, o GPS e a vacina pro HPV. Eu sou do tempo em que não dava para botar vídeo na internet. Eu sou do tempo em que a comunicação era via BBS ou Fidonet. Eu sou do tempo em que artigos eram escritos sem o Google. Vocês me respeitem. Eu sou velha. Muito, muito velha. Mas continuo viva. E não acho que as novas gerações sejam piores que a minha. Diferentes. E aí cabe a lembrança de que eu fui criada achando que o diferente é apenas diferente, nem melhor, nem pior.

Não sei se a resposta das crianças é pura. Tenho dúvidas. Acho mesmo que pureza não é um parâmetro importante. Apenas não acho que seja inferior a qualquer resposta que eu seja capaz de dar.

Eu tenho adesivado na entrada da minha casa: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz, Cantar, A beleza de ser um eterno aprendiz. Eu sei, Que a vida devia ser bem melhor e será, Mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita!” (Gonzaguinha)

E isso é tão minha mãe (e eu) que dói.

Publicado no portal Vida Breve em 25 de setembro de 2017.