Ando com muita preguiça de gente que não sabe interpretar texto. Mentira, não “ando”, não. Sempre tive muita preguiça de gente que não sabe interpretar texto. Sabe, as palavras tem significados. Na dúvida, pode ir lá olhar no dicionário. O problema, como vocês já devem saber, vai além do léxico. É um problema de falta de literatura. E aí, só a literatura dá jeito, porque a leitura técnica ou documental não traz (ou não deveria trazer) nuances de linguagem. O texto técnico precisa ser justamente isso, técnico. Existe para passar uma informação da forma mais clara, factual e objetiva possível. A literatura, por sua vez, fala de afeto para afeto.

Talvez o que nos falte não seja compreensão de texto, mas afeto. Afeto, lembrando, vem do verbo afetar, aquilo que te toca, aquilo que te move. Não estou falando apenas do afeto cuticuti com coraçãozinho. Nada contra coraçãozinho, que fique claro.

Na época do Orkut (sim, eu sou velha a esse ponto), eu fazia parte de uma comunidade intitulada “Não fui eu, foi meu Eu Lírico”.

Segundo a Wikipedia, O Eu Lírico é “um termo usado dentro da literatura para designar o pensamento geral daquele que está narrando um poema. É usado em textos do gênero lírico, que são caracterizados pela expressão dos sentimentos e da subjetividade. O autor procura, de forma geral, expressar sua opinião em relação ao tema tratado na obra através da entidade do eu lírico. É possível, contudo, que o sentimento do eu lírico não seja exatamente aquele sentido pelo autor.” Miguxo, na literatura esse negócio de “as opiniões de blablabla não necessariamente expressam blablabla” é coisa tão óbvia que a gente nem fala. Mas ok, na Wikipedia também tem um verbete explicando o que é café, então tá, vai, passa.

Voltando à questão do Eu Lírico, falta-nos também na contemporaneidade o lirismo. Perdemos a poesia de viver, de amar, de conversar. Perdemos a poesia junto com a compreensão de texto e o afeto. E não, eu não acho que seja culpa da internet. Pelo contrário, acho mesmo que a internet surge como uma tentativa de conexão interpessoal e, portanto, como uma tentativa de resposta à essa falência lírica. Um pouco a falência das narrativas, como já nos explicou Lyotard.

Acho a internet tudibom. Pena que a falta de letramento básico impeça muitas pessoas de aproveitar o que ela tem de melhor: o retorno da comunicação escrita.

Tenho esperanças – sim, sou dessas pessoas que tem esperança em alguma coisa – de que a geração do meu filho consiga voltar a se comunicar por escrito. Sabe, aquela coisa de um escreve o outro lê e entende. É mágico, gente, todo mundo deveria experimentar isso uma vez na vida. Mas cuidado, é droga pesada e rapidamente a gente já está querendo ler até mesmo um livro (sim, inteiro).

Publicado no portal Vida Breve em 04 de dezembro de 2017.