Estou chegando agora do Toulouse-Lautrec no MASP.

Eu sei que uma coisa não tem relação com a outra. Eu sei que o contexto é completamente diferente e a intenção poética idem. Não ligo. Meus neurônios são indisciplinadíssimos e minhas sinapses loucas.

Saio, então, do Lautrec-lindinho-mon-petit-bijou com Panis et circenses (Os Mutantes, 1968) na cabeça. Não cantei “Mas as pessoas na sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer” ao passar por Estas Mulheres na Sala de Jantar (Toulouse-Lautrec, 1893-1895) por um misto de autocensura e piedade com aqueles à minha volta. É que eu canto muito, muito mal.

Voltamos a pé para casa, um dia lindo, mas chegamos com zero saudades do Hell de Janeiro. Se aqui está esse calor, não quero nem pensar em como está um pouco mais ao norte. Ainda assim, gosto de andar. Caminhando, fiquei tentando imaginar no caminho quais pessoas estavam vendo o mesmo dia lindo que eu, e quais estavam ocupadas em nascer e morrer.

Fico pensando na quantidade absurda de pessoas nascendo-morrendo com as quais convivo. Lembro de colegas, amigos distantes, pessoas de quem eu gosto. O meu gostar é mais complexo do que concordar ou não. Afeto não lê Lattes. Afeto não faz psicotécnico. Afeto não pede antecedentes criminais. Ainda assim, bateu uma tristeza do quanto as pessoas desperdiçam dias lindos. Do quanto as pessoas desperdiçam vida. Do quanto as pessoas desperdiçam afeto.

Pensei em um conhecido que é incapaz de elogiar. Como deve ser triste a vida dele. Somos seres de linguagem. A linguagem nos define. E aquilo que expressamos nos molda. É com esse princípio que muitas religiões dizem suas preces em voz alta. É sobre isso que muitos gurus da autoajuda escrevem. Esse conhecido escolhe reclamar e depois não entende como sua vida não anda para a frente.

Eis que passamos em frente ao Itaú Cultural e eu lembro do affair Santander-Queer. Deu uma tristeza que nem conto.

Mas as pessoas na sala de jantar

Essas pessoas na sala de jantar

São as pessoas da sala de jantar

Mas as pessoas na sala de jantar

São ocupadas em nascer e morrer

Pessoas pequenas, com mentes pequenas, com vidas pequenas. Com tudo pequeno.

Justo nessa hora, meu pai cantarola um sambinha e a vida volta a fazer sentido.

Publicado no portal Vida Breve em 18 de setembro de 2017.