É muito complicado escrever crônicas no Brasil de 2021. Estamos todos tristes, indignados, ou ambos. Sair desse assunto é um fino limiar entre ignorar o mundo à nossa volta e falar o óbvio. E toda obviedade é, por natureza, bad writing. É a piada fácil.

Venho tentando, nesse cantinho que muito me orgulha chamar de meu, sair um pouco dos temas mais proeminentes, como o genocida nazista, as Olimpíadas ou outros assuntos que povoam as notícias e as redes sociais. Tenho a pretensão de ser uma folga, algo fora desse universo já tão pensado, elaborado, etc.

“Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”, diz a canção do Nelson Cavaquinho. A música, assim como as outras artes e a literatura, nos fornece uma compreensão emprestada da emoção do outro. A isso damos o nome de alteridade.

Não por acaso nos identificamos tão facilmente e bem com a jornada do herói, suas provações, desafios, experiências de quase-morte, inimigos e, se tudo der certo, recompensas.

É para isso que a arte serve. Ela nos permite vivenciar, compreender e testemunhar a emoção do outro e, através desse Outro, resolver as nossas questões.

O herói que é merecedor dessa classificação passa, necessariamente, por uma enorme dificuldade. O obstáculo, a crise ou o perigo existem justamente para demonstrar o quão valioso é aquele personagem. O que ele conseguiu vencer não é coisa pequena. Depois, claro, o herói volta renovado, engrandecido de alguma maneira.

Nós vivemos, através da representação simbólica, a catarse que precisamos para conseguirmos lidar com o nosso dia a dia.

A palavra catarse, por sua vez, vem do grego kátharsis e tem o sentido de limpeza, de purificação. Não é algo bonito e mítico como muitos autores de autoajuda tentam nos vender, entretanto. A catarse é um vômito. É um expurgo.

Catarse é se livrar da tristeza com filme brega e pipoca.

Catarse é chorar a noite toda até cansar. Cansar de chorar, mesmo que a dor não vá embora.

Catarse é abrir a janela e gritar até os pulmões doerem.

É disso que precisamos, como país, como cultura. Erramos: escolhemos o Luis Buñuel para escrever o roteiro desses últimos anos. Precisamos de uma Janete Clair. Precisamos chorar, rir e gritar até que a dor vá embora, o vírus acabe ou o genocida retorne ao esgoto de onde saiu.

E então, só então, a gente vai parar de falar de lado, olhando pro chão. Amanhã há de ser outro dia.

(Obrigada, MPB)

Crônica publicada no Rascunho em 12/08/2021