Com o término das minhas férias “de verdade” descubro-me sem ânimo até para reclamar, uma das coisas que faço de melhor nessa vida. A realidade brasileira está tão nonsense que levantar de cama é uma ação de alto risco. Vai que eu levanto e um avião transportando vacina entra em rota de colisão comigo? Ou que um adesivo de 20 metros bloqueie a minha passagem para a cozinha? Ou que um valentão burro da 3ª série primária govern…? Não, pera.

Dormi, comi pipoca e pensei nas próximas férias. Fiquei brincando com o conceito do motorhome. Alugar um trambolho desses, botar filho e cachorro dentro e ir dirigindo até chegar nos pinguins. A ideia não resiste a dez minutos de raciocínio: segurança das estradas, baixa velocidade, onde estacionar, banho decente, essas coisas. Ainda assim, passei as férias sonhando acordada com um mundo mais fácil. Veja, não precisa ser fácil. Basta ser mais fácil.

Tenho um amigo que diz que seu sonho é se mudar para um lugar chato. Um lugar onde não acontece nada, onde você nem se lembra quem está no governo ou se o seu vizinho é homofóbico, racista, machista etc. Realmente as pessoas deveriam ser melhores. Ainda assim, eu não sobreviveria mais do que um final de semana em um “lugar chato”. Só não moro em Manhattan, em Akihabara (um bairro descolado em Tóquio) ou na Avenida Paulista por falta de dinheiro. O caos e eu nos damos bem. Rola uma empatia.

Mal posso esperar o mundo voltar a ser um lugar viável para poder reclamar da falta de lugar para sentar em um vagão na Yamanote, dos Trams não aceitarem dinheiro ou da incompreensibilidade das linhas de ônibus paulistanos. Quase 15 anos de São Paulo e ainda não sei andar de ônibus nessa cidade.

Sinais de trânsito têm quase tantos regionalismos quanto a tangerina. Sinal, semáforo, sinaleira, farol. Tangerina, bergamota, mexerica, mandarina, fuxiqueira, manjerica, mimosa. Eu sou carioca, falo sinal e tangerina.

Os sinais em Tóquio são fábricas de malucos. Para serem acessíveis a pessoas com deficiências visuais, emitem apitos sonoros, com intervalos gradativamente menores conforme o tempo de atravessar a rua se aproxima do fim. É um “piiiiu” altíssimo, ensurdecedor e, principalmente, neurótico.

Um dos cruzamentos em Tóquio envolve cinco ruas, oito sinais, novecentas pistas, o cachorro Hachiko, cosplay de tudo que você possa imaginar, letreiros luminosos (e sonoros) gigantes saídos diretamente do Blade Runner, um quinzilhão de pessoas atravessando ao mesmo tempo, veículos dos mais diversos e três pterodátilos. Lembro, com saudades, de sentar de frente a uma das janelas gigantes no terceiro andar do Starbucks em Shibuya, olhando para esse cruzamento, e me sentir absolutamente em paz.

Ou seja, o tal lugar chato do meu amigo me mataria.

A maior prova de que eu tive juízo e passei as férias quarentenada em casa é que fiquei o tempo todo sonhando com o outro lado do mundo.

Vai passar, vai passar. Talvez o Brasil seja o último a vencer a pandemia, mas vai passar. Vai passar, essa página infeliz da nossa história em breve será uma passagem desbotada na memória. Vai passar.

 

Crônica publicada no Rascunho, em 28/01/2021