Fã é uma coisa muito de doido.

Recentemente perdemos, em questão de poucos dias, o pianista Nelson Freire e a cantora Marília Mendonça. Nem preciso dizer que os fãs da segunda são em maior número que os do primeiro.

Uma morte horrível e gratuita. Deixo meus sentimentos sinceros e doloridos registrados aqui.

O que me chamou a atenção, entretanto, foi o histerismo e radicalismo dos fãs.

Uma homônima da cantora, mas que usa profissionalmente outro sobrenome, escreveu no twitter esclarecendo que estava bem e lamentando a morte da xará. Ela estava embarcando no mesmo momento em outro avião. Imaginem o desespero dos amigos e familiares. Só faltaram bater na coitada. A acusaram de querer aparecer, de querer transformar o acontecimento em algo sobre si própria. Tudo o que ela disse foi: oi gente. então, eu tô viva, tô bem, tô em tal lugar etc. Não é tão difícil assim, gente. Pessoas tem mais de um sobrenome. Seria como se uma Carolina Prado morresse de repente no metrô de São Paulo. O que ia ter de família desesperada atrás de mim…

Aqueles que, por acaso, comentaram não conhecerem o trabalho da cantora foram acusados de preconceito, burrice e outras ofensas.

Essa é uma questão muito curiosa para mim e que vai além de A ou B artista.

A vida é feita de escolhas. Se eu começo a ouvir uma música e não gosto, mudo. Independente de qual. Antes mesmo de perceber quem está cantando. Qual o motivo de continuar ouvindo uma música que obviamente nos desagrada? E veja, isso vale tanto para o Nelson Freire quanto para a Marília Mendonça. Não é uma questão do artista.

Ah, é um preconceito com o gênero, irão dizer alguns. E, novamente, o preconceito pode estar se referindo à música erudita ou ao sertanejo, tanto faz.

Preconceito existe, é óbvio. Não é disso que estou falando.

Entretanto, gosto particular é algo que também existe. Eu, por exemplo, detesto filmes de terror. Isso não fará com que eu lamente menos quando a Jennifer Kent infelizmente falecer (supondo que ela vá antes de mim, naturalmente).

É possível lamentar a perda da cantora, se chocar com a brutalidade de sua morte e vibrar com as homenagens recebidas e, ao mesmo tempo, escolher não ouvir suas músicas.

Quando nos tornamos essa sociedade tão maniqueísta, à flor da pele, com sangue nos olhos e dicotomizada?

Não precisa responder, eu sei.

Foi-se o tempo em que o Jorge Mautner tinha razão. O Brasil se nazificou. Não somos mais exemplo de tolerância para ninguém.

Mas fico aqui achando que se somos – ou queremos ser – resistência ao fascismo, ao totalitarismo e à falta de reflexão, não podemos cair em acusações rasas como “preconceito” quando o outro escolhe consumir outra coisa. Existe o diferente. E tudo bem.

O que não podemos perder é a solidariedade, a compaixão e a capacidade de empatia.

A playlist pode ser individual.

Eu vou dar play aqui no Mautner.

Relaxa e dá play aí no que você curte. Está tudo bem.