Assisti a Marighella em um Cinemark desconfortável, lotado e sem ar condicionado. Perdi os últimos minutos do filme. Precisei sair da sala de cinema para não desmaiar. Muita gente passando mal. O descaso e o desrespeito do Cinemark com seus clientes são assustadores. Prometi a mim mesma não entrar mais na rede, mesmo que precise esperar meses para um filme sair em streaming.

Mas o filme.

Marighella é um filme que precisa ser visto. É importante, absolutamente relevante na atualidade e imprescindível para compreendermos como chegamos aqui e o que está em risco quando temos genocidas no poder. Preste atenção na semelhança entre os discursos opressores da época e de hoje.

O filme tem uma fotografia perfeita. É só perfeita. Sem uma vírgula a corrigir. Adrian Teijido, virei sua fã.

Felipe Braga e Wagner Moura merecem todos os prêmios de roteiro do mundo.

Seu Jorge prova que é muito mais que um sujeito bonito com swing e voz de veludo. Gostei até do Bruno Gagliasso, por quem sempre torci o nariz mas que faz magnificamente um papel muito difícil.

Isso não significa que seja imune a críticas.

Não estrago em nada a experiência de ver o filme e não tem spoilers, pode continuar a leitura sem susto.

Começo por uma crítica pequena. A duração do filme poderia ser bem menor. Eu entendo, juro que entendo. A gente trabalha na base do suor e das lágrimas, dá o sangue, para no final cortar? Eu também tenho dificuldade. Meu telhado é de vidro no assunto, mas no momento vou usufruir da confortabilíssima posição de espectadora. Sei o quanto é difícil fazer, ainda mais no Brasil. Não conheço nenhum dos envolvidos e não estou sabendo de nenhuma questão de produção, mas poderiam ter dado mais poder ao editor Lucas Gonzaga. Existem momentos em que nada substitui uma boa tesoura.

A minha crítica principal é pela mão invisível do mercado. Ou seja, pela mão visível da hegemonia da Globo nos meios de comunicação.

Existem algumas cenas importantes passadas na Bahia. Os personagens baianos falam com sotaque carioca. Uma escola baiana tem maioria branca. Mesmo?

A resistência à ditadura militar foi um movimento nacional e envolveu pessoas de todas as partes do Brasil. A pouca heterogeneidade de sotaques causa estranhamento.

Não pensar em representatividade (e, nesse caso, em verossimilhança) em 2021 é grave. Já sabemos o que isso significa. Já conhecemos esse subtexto. Percebemos a manipulação da formação do nosso imaginário e da nossa identidade.

Como se sabe, raramente percebemos o nosso próprio sotaque. Até eu, que sou carioca, senti falta da baianice de alguns personagens.

Isso dito, parabéns ao Wagner Moura e toda equipe. Lotar salas de cinema com filme brasileiro não é para qualquer um. Sob um governo que aberta e claramente tem como objetivo destruir o audiovisual, é um feito para heróis.

Sou radicalmente contra a luta armada, mas espero que o filme nos inspire, como sociedade, a reagir.

Basta de genocidas em nossa história.

Crônica publicada em 04/11/2021 no Rascunho