Meu filho era minúsculo e nessa época ainda tínhamos televisão. O que ele mais gostava de ver era Thomas, o trem azul; Star Wars: The Clone Wars e documentários da Discovery. Como normalmente eu ficava por perto, acontecia uma certa manipulação da minha parte para que os documentários ganhassem.

Chega dezembro. A escola, a publicidade etc. falando de Papai Noel.

Um belo dia, meu filho irrompe do nada e pergunta: “mãe, qual o tamanho da Terra?”. “Como assim, filho, tamanho em que sentido?” “A Terra é uma bola de que tamanho?” “A Terra tem pouco mais de 40 mil quilômetros de circunferência. Circunferência é como se você botasse um barbantinho em volta da bola e depois medisse o barbantinho. Um quilômetro é mais ou menos como ir daqui até a casa do seu tio Marcelo e voltar.” Aí filho some. Passa algum tempo e entra na sala de novo: “Mãe, então Papai Noel não existe.” “Como assim, filho?” “Vamos imaginar que ele exista. Para entrar na casa de todas as crianças do mundo inteiro ele teria de estar em uma velocidade que ia fazer com que ele pegasse fogo.” “Sim, filho, claro, é exatamente por isso que Papai Noel não existe.”

Filho é divertido porque nos mostra um raciocínio totalmente válido e instrumental, mas que quebra o cânone do senso comum. E por isso mesmo é bom conversar com as crianças. Não por elas. Os adultos só falam bobagem. Por nós, para aprendermos um pouco e sermos menos obtusos. Crianças pensam fora da caixa e fazem toda aquela baboseira de autoajuda que vemos por aí. Diferentemente do público-alvo dos gurus do homem contemporâneo, para elas funciona.

Criança também nos mostra o quanto aguentamos coisas que não deveríamos. Nem falo daquela tia insuportável. Falo até dos eventos que a norma culta nos ensinou que gostamos. E que nem sempre gostamos. Meu filho é e sempre foi o meu companheiro nos programas culturais. Um belo dia, o levo em uma palestra que tinha tudo para ser incrível. Só que não. Obriguei o coitadinho a ficar até o final. Achei, ali, que estava sendo uma boa mãe, ensinando a ouvir os profissionais, a respeitar os professores, a se esforçar para compreender, etc. Estava me achando a epítome da maternidade. E filho lá, obediente, comportado, em silêncio. A palestra foi de 10h às 12h. Finalmente termina e saímos. Ele pisa na rua e exclama, surpreso: “mãe, olha, ainda é dia!” Morro de remorso até hoje.

Publicado no portal Vida Breve em 24 de julho de 2017.