Edu (o Coração de Ouro) usava o adjetivo “genial” como se fosse vírgula. Fulano? Ah, Fulano é genial. Kisuco? Genial! Não sei dizer se era um traço da década de 80, a época mais sem noção em termos de moda e estilo, ou se era algo dele particularmente.

O fato é que eu, por trauma, uso genial apenas a me referir a, de fato, gênios. Gênios do calibre de Isaac Newton, Machado de Assis. Esse tipo de gênio.

Na noite de domingo, dia 10 de abril de 2022, a polícia civil de Rondônia, em Porto Velho, foi acionada e encontrou o professor Luciano de Sampaio morto em sua residência, já em estado de decomposição. Ele tinha 41 anos.

Luciano, o Luc, foi um amigo muito, muito querido. E alguém absolutamente criativo e brilhante. Genial.

Luc e eu tínhamos alguns projetos a começar juntos e férias planejadas em janeiro, em Porto Velho. Eu ia passar uma semana lá com ele e conhecer a cidade pela qual ele se apaixonou, pelos olhos dele.

Conhecer qualquer coisa pelos olhos de outra pessoa já é uma experiência transformadora, no mínimo. Conhecer qualquer coisa pelos olhos de alguém genial é uma oportunidade única. Vemos o que não está lá. Vemos o que falta.

Merleau-Ponty, no lindíssimo O olho e o espírito, descreve essa sensação melhor do que eu seria capaz:

O olho vê o mundo, e o que falta ao mundo para ser quadro, e o que falta ao quadro para ser ele próprio e, na paleta, a cor que o quadro espera; e vê, uma vez feito, o quadro que responde a todas essas faltas, e vê os quadros dos outros, as respostas outras a outras faltas.

Morrer, todo mundo morre. Eu vou morrer. Quanto mais tarde, melhor, mas vou. Você também vai.

A morte não me apavora, mas me apressa. A vida é curta e eu quero fazer muito. Acho a vida, o mundo e o amor fascinantes. Tudo me interessa.

A solidão, entretanto, é cruel.

Solidão mata.

Existe um dito popular que fala que “o preço da inteligência é a solidão”. Nunca prestei muita atenção a ele. Até agora.

Edu, em seus últimos anos, me dizia que esperava que o final de sua vida e sua morte coincidissem. Ele se referia ao desejo de evitar, a todo custo, um estado vegetativo, não à permanência de sua memória. Não sei, até hoje, se ele era arrogante o suficiente para ter a certeza de não ser esquecido ou se não tinha dúvidas de que um dia, quando seus filhos também já tivessem ido, seria apagado das memórias dos vivos. Também não sei se faz diferença.

É para isso que existem a arte e a literatura. Como dizia André Malraux, toda arte é uma revolta contra o destino do homem.

Os gregos entendiam isso bem. Morrer, para os gregos, não era um grande problema. Ser esquecido era.

Luc, meu bom amigo, se foi.

Não será esquecido.

Crônica publicada no Rascunho em 21/04/2022